segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A NOVA LEI ROUANET


Durante o fim-de-semana me debrucei na leitura do Projeto da Nova Lei Rouanet, que será votada nessa quinta-feira no congresso:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3644363-EI6581,00-Integra+do+projeto+da+Nova+Lei+Rouanet.html
Dentre as principais mudanças, destaco a proibição de 100% de renúncia fiscal às empresas patrocinadoras e o repasse direto das verbas da cultura para os municípios. Certamente, o primeiro ítem é mais polêmico, gerando sérios protestos das Associações de Produtores Teatrais do Rio e de SP. Alegam, com justa razão, que se tornará mas difícil conseguir patrocínios de empresas, já que as mesmas só poderão renunciar no máximo 80% do valor do patrocínio no imposto de renda. Quer dizer: se a Telefônica lhe conceder um patrocínio de 100 mil reais (me candidato à vaga), terá que pagar, de fato, 20 mil. Hoje em dia ela não paga nada a mais, apenas o imposto devido. Trocando em miúdos: divulga sua marca gratuitamente. O Brasil tem esse defeito: todos nós temos uma visão paternalista do Estado, jogando às suas costas o peso de nos sustentarmos em nosso trabalho. Isto é, para eu montar um espetáculo e ganhar dinheiro com ele, o Brasil perderá em impostos para a educação, saúde e -incrivelmente- cultura também. O Bradesco, em seu balanço, publicou que gastou 9 milhões em patrocínio ao Cirque de Soleil. Quer dizer, deixou de contribuir com 9 milhões de reais em impostos ao nosso país. Claro, e o Cirque de Soleil não baixou um único real em relação aos seus ingressos: 90 reais o mais barato. Também não se apresentou em comunidades pobres ou no interior do país. Nenhuma contrapartida: apenas 9 milhões do dinheiro dos impostos do contribuinte e mais o dobro em arrecadação com a venda de ingressos. Bendito negócio.
Mas, voltando a realidade dos mortais, insisto na tese que o empreendimento teatral deverá, de fato, ser um empreendimento. E como tal, corre riscos por turbulências no mercado, falta de sorte ou por sua própria incompetência. Não é moralmente admissível fazer-se uso da lei Rouanet, sem a contrapartida ao Estado: ingressos acessíveis e apresentações em localidades carentes e distantes. O Produtor, o empreendedor deverá agir como bom empresário: ter capital para investimento, pesando receitas e despesas de forma austera, sem loucuras de seu ego. Deverá conscientizar-se que tem um produto para vender, e que ele deverá ser interessante e atraente ao seu público alvo. E que correrá o risco de falir, como qualquer mortal que monta um negócio. Já os patrocinadores, precisam deixar a esperteza de lado e investir de forma ética. Precisam parar de se aproveitar das dificuldades das pessoas de Teatro, para a obtenção de vantagens fiscais e publicitárias, sob a máscara hipócrita do "incentivador da cultura no Brasil". Aliás, agora sim, com a mudança da lei, veremos quem são de fato as empresas socio-culturalmente engajadas no Brasil. Separaremos o joio do trigo. Os incentivadores da cultura e os aproveitadores da penúria do ator. E caso perca-se 80% dos patrocínios de empresas canalhas, dê seu jeito. Desça do salto XV e trabalhe.
Quanto ao repasse direto das verbas da cultura para os municípios, apóio integralmente. É a partir da base, da nossa cidade, que poderemos vislumbrar um futuro melhor para a atividade cultural no Brasil. Com o repasse, especialmente os pequenos municípios se beneficiarão, fomentando quem de fato precisa: os pequenos produtores. A partir de uma divisão mais justa de verbas públicas, havérá a democratização da produção cultural do país, tirando dos grandes centros a exclusividade do mercado de cultura no país. Essa descentralização é fundamental para a ampliação do mercado de trabalho do ator, pois a saturação das grandes capitais restringe o mercado a um pequeno grupo de privilegiados

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Queria que a vida fosse uma novela do Manoel Carlos


Queria Que A Vida Fosse Uma Novela Do Manoel Carlos

O verão, para o pobre, é uma merda mesmo. Calor de 42 graus, tempestade elétrica no fim da tarde, contas de luz e telefone nas alturas, IPVA, IPTU, material escolar, cartão de crédito estourado do Natal. Sem falar do rotavírus, do Big Brother e da alta da cerveja. Todo ano é igual: paredão, engarrafamento para a praia, areia na sunga e ruas alagadas. Suor, muito suor. Suor no rosto, nas costas e na canela, escorrendo como uma lágrima até o pé. Vida dura essa. Mas poderia ser perfeita, caso Manoel Carlos ocupasse o lugar de Deus no verão.
Primeiramente, não haveria pobreza no Brasil. Todos viveríamos nos melhores apartamentos do Leblon. Não importa a sua profissão: do porteiro ao gari, todo mundo viveria bem. Viajaríamos pelo mundo, mesmo que estivéssemos desempregados. O Rio de Janeiro só teria praias lindas, rodeadas pelo Corcovado e Pão de Açúcar. Não haveria subúrbios, trens, ônibus lotado, avenida Brasil engarrafada e Baixada Fluminense. O negro da favela, ao invés de seus tantans e pandeiros, tocaria bossa nova como João Gilberto, admirando o barquinho a deslizar no macio azul do mar. Em todas as festas tomaríamos champagne, ao som de música ambiente. Tudo light. Tudo calmo. Tudo clean.
Se Manoel Carlos fosse Deus, os miseráveis da classe F morariam no Morro Dona Marta, em Botafogo. Teriam casas gratuitamente, além é claro, de Polícia 24 horas, internet banda larga e teleférico panorâmico. Então, já sabe: se te faltar tudo na vida, não vá pra debaixo do viaduto. Há uma casa de 70 mil reais esperando por você na zona sul carioca. Quem sabe encontre o Thiago Lacerda tirando fotos para seu trabalho de fotógrafo idealista ?
Se o velho Maneco fosse eleito, não precisaríamos de vagas para estacionar os carros. Pararíamos onde bem entendêssemos, de preferência na Avenida Atlântica em frente à praia. Poderíamos até parar o carro em cima do calçadão, que não apareceria guarda nenhum para nos canetar. Se bem que eu gostaria mesmo era de ser médico no mundo perfeito do Manoel Carlos. Imagine só: trabalharia em um hospital maravilhoso, classe A. Não teria horários e poderia ficar o dia inteiro na lanchonete. E, evidentemente, ganharia o suficiente para morar em uma mansão, ter 3 carros importados na garagem e morar no melhor ponto do Leblon. Ah, também aceito ser enfermeiro. Ou porteiro. Ou Jardineiro.
Mas, no fundo, eu quero mesmo é ir para Búzios. Mas não para a cidade que falta água, saneamento e iluminação pública. Não quero essa cidade de praias lotadas e hotéis impessoais. Eu quero é Búzios do Maneco ! Ruas tranquilas, poucas pessoas e muita paz. Além da pousada paradisíaca, do mar caribenho e da ausência de cobrança de diárias. Ninguém paga na pousada de Búzios do Maneco. Aliás, é tão boa, que nem hóspedes têm pra te encher o saco. Melhor que isso, só o escritório de arquitetura do Jorge. Não faz projeto algum, tem uma secretária gostosa e uma sócia melhor ainda. Vida boa essa que o Maneco nos dá !
Mas o Homem irá mais além: fará a tetraplégica andar. Talvez ele seja a solução para o Haiti.
Hora da volta à rotina, pois a Luizinha está chorando. Mas daqui a pouco eu ligo a tv, pois não dá pra viver sem o Manoel Carlos.

ANDRÉ FAXAS
janeiro 2010

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

ATORES BRASILEIROS


ATORES BRASILEIROS



Depois de longo inverno, bateu a vontade de postar de novo no blog. Aliás, meus poucos leitores já devem desconfiar: eu só escrevo no verão. E não se trata de critério ou superstição, mania ou esquisitice. É bem simples: de Janeiro a Março, pouca coisa tenho pra fazer. Sendo mais objetivo: nesse período, o trabalho é escasso, as dívidas são abundantes e o dinheiro no bolso um achado arqueológico. Portanto, já que as férias na região dos lagos se tornam inviáveis e as cervejas se vão da geladeira, só me resta sentar em frente ao computador e buscar nas letras o meu antidepressivo. Mas advirto a quem pensa que estou chorando miséria: vivo da minha arte e em março as árvores irão florir de novo.
Perdoem-me a introdução melancólica, mas preciso dela para desenvolver a crônica. Quero falar do meu trabalho, do seu trabalho, do nosso trabalho. Mesmo aquele que freqüenta esse blog e não seja do meio artístico, há de entender minhas palavras. Porque falarei aqui de paixão, de amor e dor, de rir e chorar. Aliás, nada mais perfeito para se logotipar uma profissão do que as máscaras que nos representam: tanto no palco, quanto na vida, nós atores somos repletos de risos e lágrimas. Mas acho que a gente pode reduzir um pouco o lacrimejamento de nossos olhos.
Nós artistas temos sérios defeitos. Por nos acharmos escolhidos de Deus para encantar as pessoas normais, para diverti-las e entretê-las, quase sempre perdemos a noção do que de fato fazemos: trabalhar. Somos trabalhadores. E trabalhadores trabalham. Acordam cedo. Se estão desempregados, os trabalhadores procuram emprego. Se falta emprego, os trabalhadores empreendem seus próprios negócios. Se não há capital suficiente para o empreendimento, os trabalhadores vendem balas, biscoitos, CDs piratas. Mas os trabalhadores precisam trabalhar, ganhar seu sustento, seu pão de cada dia. Se não há dinheiro para um aluguel na zona sul, os trabalhadores moram na baixada. O que importa é trabalhar, produzir. Mas nós, atores, temos a inteligência de um jumento para entender isso.
No Brasil, em especial, os jovens atores almejam o sucesso e a fama através da Globo. Caso fracassem, serve a Record. Em caso de outro revés, o cinema comercial. Não dando certo, uns cachês em curtas e comerciais. Se a coisa ficou feia, querem fazer teatro nos shoppings da zona sul. Buscam incentivos, dinheiro do governo, patrocínios de grandes empresas. Não conseguindo, restam as lágrimas. Mas sem perder a pose, pois moram no Rio, a Hollywood brasileira.
Tenho, desde que decidi viver da minha profissão, precisamente em 1989, a utopia de conseguir reverter esse quadro. Não por mim, já que me conformei com minha condição do Dom Quixote, mas pelo futuro do Teatro no Brasil. Pelo futuro da profissão de ator. Pela formação cultural de nossas crianças. Porque, meus caros, se continuarmos assim, nos tornaremos apenas atores de comunidades no Orkut.
Muita gente diz da paixão pelo Teatro. E eu sempre pergunto: “Que Teatro ?” Aquele bem localizado, bem freqüentado, com ingressos caros, bons camarins, belo palco, ar condicionado gelando ? Porque, se for paixão por esse, faça uma fé na próxima megasena, pois suas chances de ser correspondido serão maiores. Aliás, pegue o dinheiro e compre um Teatro assim só pra você. Tudo bem ,ele vai falir e virará Igreja Universal, mas você fez sua parte pelo Teatro brasileiro. Quem sabe não difundiu sua cultura cabeça à burguesia endinheirada dos bairros nobres do Brasil. Esse mesmo público que, após a sessão, irá jantar e tomar um bom vinho nos restaurantes mais chiques da cidade. E que vai cagar para o menino que faz malabarismos com limões quando o sinal fechar para o seu carro blindado.
O Teatro que proponho é o original. Nenhuma novidade, nenhuma sacada de genialidade. Básico e simples, como um dia foi. Feito do povo para o povo, como acho que tem de ser feito. Atores populares, isentos de soberba, de preconceitos e de frescuras. Atores que vivem de seu trabalho digno, bem feito. Atores que são remunerados por ele, pagos pelo povo, sem ajuda de governo ou patrocínios. Atores que não se importam com o glamour, com a falta de um camarim com grandes espelhos ou com o calor e os mosquitos que certamente incomodarão. Atores que, bem preparados e cultos, saberão que o poder aquisitivo das classes C e D aumentou bastante nesses últimos anos. Que há uma massa sedenta por entretenimento de qualidade, por diversão, por lazer. Que o belo Teatro sempre será belo, mesmo estando numa associação de moradores, num salão paroquial de igreja ou no pátio de uma escola. Porque a paixão correspondida pelo Teatro, é sempre poder fazê-lo. É sempre poder viver de seu ofício, daquilo que você decidiu ser a sua profissão.
Mesmo que, de janeiro a março, haja sempre uma crise conjugal na relação.

ANDRÉ FAXAS
1/01/2010