segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A NOVA LEI ROUANET


Durante o fim-de-semana me debrucei na leitura do Projeto da Nova Lei Rouanet, que será votada nessa quinta-feira no congresso:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3644363-EI6581,00-Integra+do+projeto+da+Nova+Lei+Rouanet.html
Dentre as principais mudanças, destaco a proibição de 100% de renúncia fiscal às empresas patrocinadoras e o repasse direto das verbas da cultura para os municípios. Certamente, o primeiro ítem é mais polêmico, gerando sérios protestos das Associações de Produtores Teatrais do Rio e de SP. Alegam, com justa razão, que se tornará mas difícil conseguir patrocínios de empresas, já que as mesmas só poderão renunciar no máximo 80% do valor do patrocínio no imposto de renda. Quer dizer: se a Telefônica lhe conceder um patrocínio de 100 mil reais (me candidato à vaga), terá que pagar, de fato, 20 mil. Hoje em dia ela não paga nada a mais, apenas o imposto devido. Trocando em miúdos: divulga sua marca gratuitamente. O Brasil tem esse defeito: todos nós temos uma visão paternalista do Estado, jogando às suas costas o peso de nos sustentarmos em nosso trabalho. Isto é, para eu montar um espetáculo e ganhar dinheiro com ele, o Brasil perderá em impostos para a educação, saúde e -incrivelmente- cultura também. O Bradesco, em seu balanço, publicou que gastou 9 milhões em patrocínio ao Cirque de Soleil. Quer dizer, deixou de contribuir com 9 milhões de reais em impostos ao nosso país. Claro, e o Cirque de Soleil não baixou um único real em relação aos seus ingressos: 90 reais o mais barato. Também não se apresentou em comunidades pobres ou no interior do país. Nenhuma contrapartida: apenas 9 milhões do dinheiro dos impostos do contribuinte e mais o dobro em arrecadação com a venda de ingressos. Bendito negócio.
Mas, voltando a realidade dos mortais, insisto na tese que o empreendimento teatral deverá, de fato, ser um empreendimento. E como tal, corre riscos por turbulências no mercado, falta de sorte ou por sua própria incompetência. Não é moralmente admissível fazer-se uso da lei Rouanet, sem a contrapartida ao Estado: ingressos acessíveis e apresentações em localidades carentes e distantes. O Produtor, o empreendedor deverá agir como bom empresário: ter capital para investimento, pesando receitas e despesas de forma austera, sem loucuras de seu ego. Deverá conscientizar-se que tem um produto para vender, e que ele deverá ser interessante e atraente ao seu público alvo. E que correrá o risco de falir, como qualquer mortal que monta um negócio. Já os patrocinadores, precisam deixar a esperteza de lado e investir de forma ética. Precisam parar de se aproveitar das dificuldades das pessoas de Teatro, para a obtenção de vantagens fiscais e publicitárias, sob a máscara hipócrita do "incentivador da cultura no Brasil". Aliás, agora sim, com a mudança da lei, veremos quem são de fato as empresas socio-culturalmente engajadas no Brasil. Separaremos o joio do trigo. Os incentivadores da cultura e os aproveitadores da penúria do ator. E caso perca-se 80% dos patrocínios de empresas canalhas, dê seu jeito. Desça do salto XV e trabalhe.
Quanto ao repasse direto das verbas da cultura para os municípios, apóio integralmente. É a partir da base, da nossa cidade, que poderemos vislumbrar um futuro melhor para a atividade cultural no Brasil. Com o repasse, especialmente os pequenos municípios se beneficiarão, fomentando quem de fato precisa: os pequenos produtores. A partir de uma divisão mais justa de verbas públicas, havérá a democratização da produção cultural do país, tirando dos grandes centros a exclusividade do mercado de cultura no país. Essa descentralização é fundamental para a ampliação do mercado de trabalho do ator, pois a saturação das grandes capitais restringe o mercado a um pequeno grupo de privilegiados

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Queria que a vida fosse uma novela do Manoel Carlos


Queria Que A Vida Fosse Uma Novela Do Manoel Carlos

O verão, para o pobre, é uma merda mesmo. Calor de 42 graus, tempestade elétrica no fim da tarde, contas de luz e telefone nas alturas, IPVA, IPTU, material escolar, cartão de crédito estourado do Natal. Sem falar do rotavírus, do Big Brother e da alta da cerveja. Todo ano é igual: paredão, engarrafamento para a praia, areia na sunga e ruas alagadas. Suor, muito suor. Suor no rosto, nas costas e na canela, escorrendo como uma lágrima até o pé. Vida dura essa. Mas poderia ser perfeita, caso Manoel Carlos ocupasse o lugar de Deus no verão.
Primeiramente, não haveria pobreza no Brasil. Todos viveríamos nos melhores apartamentos do Leblon. Não importa a sua profissão: do porteiro ao gari, todo mundo viveria bem. Viajaríamos pelo mundo, mesmo que estivéssemos desempregados. O Rio de Janeiro só teria praias lindas, rodeadas pelo Corcovado e Pão de Açúcar. Não haveria subúrbios, trens, ônibus lotado, avenida Brasil engarrafada e Baixada Fluminense. O negro da favela, ao invés de seus tantans e pandeiros, tocaria bossa nova como João Gilberto, admirando o barquinho a deslizar no macio azul do mar. Em todas as festas tomaríamos champagne, ao som de música ambiente. Tudo light. Tudo calmo. Tudo clean.
Se Manoel Carlos fosse Deus, os miseráveis da classe F morariam no Morro Dona Marta, em Botafogo. Teriam casas gratuitamente, além é claro, de Polícia 24 horas, internet banda larga e teleférico panorâmico. Então, já sabe: se te faltar tudo na vida, não vá pra debaixo do viaduto. Há uma casa de 70 mil reais esperando por você na zona sul carioca. Quem sabe encontre o Thiago Lacerda tirando fotos para seu trabalho de fotógrafo idealista ?
Se o velho Maneco fosse eleito, não precisaríamos de vagas para estacionar os carros. Pararíamos onde bem entendêssemos, de preferência na Avenida Atlântica em frente à praia. Poderíamos até parar o carro em cima do calçadão, que não apareceria guarda nenhum para nos canetar. Se bem que eu gostaria mesmo era de ser médico no mundo perfeito do Manoel Carlos. Imagine só: trabalharia em um hospital maravilhoso, classe A. Não teria horários e poderia ficar o dia inteiro na lanchonete. E, evidentemente, ganharia o suficiente para morar em uma mansão, ter 3 carros importados na garagem e morar no melhor ponto do Leblon. Ah, também aceito ser enfermeiro. Ou porteiro. Ou Jardineiro.
Mas, no fundo, eu quero mesmo é ir para Búzios. Mas não para a cidade que falta água, saneamento e iluminação pública. Não quero essa cidade de praias lotadas e hotéis impessoais. Eu quero é Búzios do Maneco ! Ruas tranquilas, poucas pessoas e muita paz. Além da pousada paradisíaca, do mar caribenho e da ausência de cobrança de diárias. Ninguém paga na pousada de Búzios do Maneco. Aliás, é tão boa, que nem hóspedes têm pra te encher o saco. Melhor que isso, só o escritório de arquitetura do Jorge. Não faz projeto algum, tem uma secretária gostosa e uma sócia melhor ainda. Vida boa essa que o Maneco nos dá !
Mas o Homem irá mais além: fará a tetraplégica andar. Talvez ele seja a solução para o Haiti.
Hora da volta à rotina, pois a Luizinha está chorando. Mas daqui a pouco eu ligo a tv, pois não dá pra viver sem o Manoel Carlos.

ANDRÉ FAXAS
janeiro 2010

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

ATORES BRASILEIROS


ATORES BRASILEIROS



Depois de longo inverno, bateu a vontade de postar de novo no blog. Aliás, meus poucos leitores já devem desconfiar: eu só escrevo no verão. E não se trata de critério ou superstição, mania ou esquisitice. É bem simples: de Janeiro a Março, pouca coisa tenho pra fazer. Sendo mais objetivo: nesse período, o trabalho é escasso, as dívidas são abundantes e o dinheiro no bolso um achado arqueológico. Portanto, já que as férias na região dos lagos se tornam inviáveis e as cervejas se vão da geladeira, só me resta sentar em frente ao computador e buscar nas letras o meu antidepressivo. Mas advirto a quem pensa que estou chorando miséria: vivo da minha arte e em março as árvores irão florir de novo.
Perdoem-me a introdução melancólica, mas preciso dela para desenvolver a crônica. Quero falar do meu trabalho, do seu trabalho, do nosso trabalho. Mesmo aquele que freqüenta esse blog e não seja do meio artístico, há de entender minhas palavras. Porque falarei aqui de paixão, de amor e dor, de rir e chorar. Aliás, nada mais perfeito para se logotipar uma profissão do que as máscaras que nos representam: tanto no palco, quanto na vida, nós atores somos repletos de risos e lágrimas. Mas acho que a gente pode reduzir um pouco o lacrimejamento de nossos olhos.
Nós artistas temos sérios defeitos. Por nos acharmos escolhidos de Deus para encantar as pessoas normais, para diverti-las e entretê-las, quase sempre perdemos a noção do que de fato fazemos: trabalhar. Somos trabalhadores. E trabalhadores trabalham. Acordam cedo. Se estão desempregados, os trabalhadores procuram emprego. Se falta emprego, os trabalhadores empreendem seus próprios negócios. Se não há capital suficiente para o empreendimento, os trabalhadores vendem balas, biscoitos, CDs piratas. Mas os trabalhadores precisam trabalhar, ganhar seu sustento, seu pão de cada dia. Se não há dinheiro para um aluguel na zona sul, os trabalhadores moram na baixada. O que importa é trabalhar, produzir. Mas nós, atores, temos a inteligência de um jumento para entender isso.
No Brasil, em especial, os jovens atores almejam o sucesso e a fama através da Globo. Caso fracassem, serve a Record. Em caso de outro revés, o cinema comercial. Não dando certo, uns cachês em curtas e comerciais. Se a coisa ficou feia, querem fazer teatro nos shoppings da zona sul. Buscam incentivos, dinheiro do governo, patrocínios de grandes empresas. Não conseguindo, restam as lágrimas. Mas sem perder a pose, pois moram no Rio, a Hollywood brasileira.
Tenho, desde que decidi viver da minha profissão, precisamente em 1989, a utopia de conseguir reverter esse quadro. Não por mim, já que me conformei com minha condição do Dom Quixote, mas pelo futuro do Teatro no Brasil. Pelo futuro da profissão de ator. Pela formação cultural de nossas crianças. Porque, meus caros, se continuarmos assim, nos tornaremos apenas atores de comunidades no Orkut.
Muita gente diz da paixão pelo Teatro. E eu sempre pergunto: “Que Teatro ?” Aquele bem localizado, bem freqüentado, com ingressos caros, bons camarins, belo palco, ar condicionado gelando ? Porque, se for paixão por esse, faça uma fé na próxima megasena, pois suas chances de ser correspondido serão maiores. Aliás, pegue o dinheiro e compre um Teatro assim só pra você. Tudo bem ,ele vai falir e virará Igreja Universal, mas você fez sua parte pelo Teatro brasileiro. Quem sabe não difundiu sua cultura cabeça à burguesia endinheirada dos bairros nobres do Brasil. Esse mesmo público que, após a sessão, irá jantar e tomar um bom vinho nos restaurantes mais chiques da cidade. E que vai cagar para o menino que faz malabarismos com limões quando o sinal fechar para o seu carro blindado.
O Teatro que proponho é o original. Nenhuma novidade, nenhuma sacada de genialidade. Básico e simples, como um dia foi. Feito do povo para o povo, como acho que tem de ser feito. Atores populares, isentos de soberba, de preconceitos e de frescuras. Atores que vivem de seu trabalho digno, bem feito. Atores que são remunerados por ele, pagos pelo povo, sem ajuda de governo ou patrocínios. Atores que não se importam com o glamour, com a falta de um camarim com grandes espelhos ou com o calor e os mosquitos que certamente incomodarão. Atores que, bem preparados e cultos, saberão que o poder aquisitivo das classes C e D aumentou bastante nesses últimos anos. Que há uma massa sedenta por entretenimento de qualidade, por diversão, por lazer. Que o belo Teatro sempre será belo, mesmo estando numa associação de moradores, num salão paroquial de igreja ou no pátio de uma escola. Porque a paixão correspondida pelo Teatro, é sempre poder fazê-lo. É sempre poder viver de seu ofício, daquilo que você decidiu ser a sua profissão.
Mesmo que, de janeiro a março, haja sempre uma crise conjugal na relação.

ANDRÉ FAXAS
1/01/2010

domingo, 23 de março de 2008

JOSÉ TRAJANO


Não sei bem o que está me levando a escrever este artigo. Provavelmente, a maioria que freqüenta esse blog não saiba quem é o sujeito do título acima. Alguns hão de recordar o nome, mas somente aqueles que são aficionados por futebol, como eu, vão identificar a personagem principal dessa crônica. Mas quem acha que vou escrever hoje sobre futebol, se engana redondamente. José Trajano é muito mais que isso.
Descobri agora o porquê da crônica: nesse momento estou trabalhando na Tijuca, na Rua Campos Sales, próximo ao Clube Municipal. Ainda pouco caminhei até à Praça Afonso Pena, onde visualizei ao longe a sede social do América Futebol Clube, clube de coração do velho Trajano. Bons tempos, diria ele, em que todo tijucano era torcedor do América. Mas, apesar das tentações, o assunto do artigo não é o América, não é a Tijuca, não é o futebol. É o José Trajano.
Passei a conhecê-lo no final da década de 90, quando as tvs por assinatura se popularizaram no Brasil. Sei que sua carreira vem de muito tempo, sendo figura notória do jornalismo esportivo brasileiro. Mas a primeira vez que ouvi seu nome, foi quando o Zagallo, indagado pela imprensa a respeito de sua famosa frase “vocês vão ter que me engolir !”, dita após a dramática vitória nos penaltis contra a Holanda, na semifinal da copa de 98, citou José Trajano entre os destinatários de seu desabafo. Indaguei-me: quem é José Trajano ? Hoje sei bem a resposta, tanto sobre quem é, quanto o porquê do velho lobo ter perdido as estribeiras. José Trajano às vezes me tira do sério.
Minha mulher então, nem se fala: basta acordar e ver o Trajano falando na TV, que seu humor piora. – Esse Trajano é um velho arrogante, que se acha o dono da verdade ! – diz ela. Para piorar a situação, ela sempre me flagra ouvindo o Trajano opinar sobre tudo: futebol, música, política, culinária, cinema e literatura. E sobre qualquer assunto em que mete o pitaco, de fato, o sujeito é o dono da verdade: “fulano é bom, cicrano não é, beltrano é uma porcaria” e assim vai. E ela, estupefata e irada, começa a discutir com o homem, como se de fato ele estivesse provocando-a intencionalmente. Aliás, é isso: José Trajano provoca a gente intencionalmente.
Toda vez em que não trabalho fora pela manhã, assisto ao Trajano, no programa “Pontapé Inicial” na ESPN Brasil. De fato, o homem é teimoso e ranzinza. Quase sempre está irritado, emburrado, seja com o América ou com seus funcionários da ESPN, quando não atendem suas determinações. Briga porque o som está baixo, ou porque está alto demais, ou porque não acharam a música que queria, ou porque está havendo buchicho no estúdio enquanto ele ouve seus discos de música instrumental. Aliás, José Trajano é o único profissional de televisão que tem um programa, em um canal de esportes, em que ouve, se deliciando, música instrumental brasileira ! Pelo menos nessa hora o homem se amansa, fecha os olhos e relaxa, para desespero de minha mulher, que acha isso o cúmulo: “Como, um sujeito pode interromper um programa popular, de futebol, para ouvir uma musiquinha que só ele gosta ?” O pior é que estou gostando dessa chatice de música instrumental brasileira. José Trajano vicia a gente.
Aliás, ele é assim: nos faz amá-lo e odiá-lo na mesma medida. Odiá-lo e amá-lo por sua sinceridade farta, pelo rigor de suas convicções, por sua mania de perfeição e por sua obstinação em se expressar. Porque José Trajano é expressão pura, é comunicação na essência, exemplo vivo do jornalismo original, onde a opinião vale tanto quanto o fato. Onde, muitas vezes, da opinião se extrai o fato, não o contrário. Mesmo quando se erra, e José Trajano também erra muito, vale mais o erro do que a omissão, a covardia, do que o jornalismo borra-botas que impera nessa era medíocre em que vivemos. Essa era tecnicista, mecânica, dos acadêmicos engravatados que entendem mais de computadores do que de gente. José Trajano é mais que um jornalista, ele é gente na essência. Gente de verdade, de fibra, com sangue nas veias. Doa a quem doer. E sei que às vezes dói nele mesmo: o velho tijucano deve pagar um preço muito caro por ser assim.
Pois é, velho Trajano, o tempo passa. A Tijuca já não é mais a mesma, o América também não e meu trabalho vai começar. Mas sei que você vai continuar a ser tijucano, americano e, desculpe a rima pobre, o José Trajano. Esse mesmo cara de quem vou discordar amanhã pela manhã.
E, por favor, esculhambe menos o Botafogo.


ANDRÉ FAXAS

sábado, 22 de março de 2008

PORMENORES


Viver não é mole, meu bom. Tanto problema, tanta chateação, tantos abacaxis a serem descascados e leões a serem mortos, que às vezes eu desanimo. Tanta dívida, tanta perturbação, que se torna quase impossível pensar em poesia numa hora dessas. Isso quando a saúde também não pifa, ou o carro, o computador, ou a maldita goteira no banheiro. Sem contar as mulheres e ex-mulheres, o Botafogo e a tv por assinatura que sai do ar quando chove. Vida difícil essa sob um calor de 40 graus, que decidiu aparecer logo depois das férias e do carnaval. Terrível essa vida de boletos e faturas, carnês e duplicatas. Meu bom, só tomando uma gelada pra relaxar ! Mas a cerveja aumentou, assim como a carne do churrasco e o carvão. Só nos restará o pandeiro e o tan-tan, mas com cuidado, pra vizinhança não reclamar.
E chegou a hora do IPVA e IPTU, da vistoria do Detran e do material escolar. Sem esquecer do dinheiro do advogado, do despachante e do celular. Ainda tem a tal da dengue que, tenho certeza, também vai me pegar. Vida dura, chapinha, vida dura. Roupa suada no corpo, secura na boca e ainda tem gente pra te encher o saco. Querem te cobrar dinheiro, por vezes atenção, compreensão, amizade, solidariedade, amor e fidelidade. Além de tudo te reprimem, repreendem, admoestam e te querem são. E nada da cerveja chegar !
Meu bom, eu acho que os imaturos deveriam ganhar uma pensão do governo. Receberíamos para não nos chatearmos ou estressarmos. Poderíamos acordar na hora em que quiséssemos, fazer o que quiséssemos e viver como quiséssemos. Haveria também a lei que obrigaria às mulheres a não cobrar dos maridos atenção, eficiência, amor e fidelidade. E uma lei mais rígida, que obrigaria às ex-mulheres a não perturbar mais ainda a já perturbada vida de seus ex-maridos. Junta-se a isso a lei da mordaça nas sogras, do silêncio nos cachorros e a estatização da Brahma, mas vê se arruma uma mais geladinha, Zé.
Para nos representarem em Brasília, votaremos em um candidato que defenda os imaturos, nos trazendo um pouco mais de paz e tranqüilidade. Queremos almoçar e não lavar louça, ficar 24 horas assistindo debates de esportes e que nenhum eletrodoméstico quebre em nossa casa. Não queremos trocar lâmpadas, apertar parafusos ou fechar registros. Nossos carros não poderão enguiçar e seremos isentos de cobranças de taxas e impostos. Poderemos brincar à vontade, dançar e ouvir música no volume máximo, sem que nos recriminem. Desejaremos os micro-shorts que passam pela rua, sem que nos admoestem. Não precisaríamos atender telefone, enfrentar fila de banco e teríamos um ar condicionado portátil, que nos acompanharia aonde fôssemos. Os imaturos, como nós, meu bom, seriam respeitados em seus direitos de serem eternamente crianças, sem compromissos, obrigações e deveres. Seríamos os reis do pedaço, cheios de regalias e benesses. Comeríamos, beberíamos e dormiríamos tranqüilos, teríamos salvo-conduto na madrugada e um sorriso na volta pra casa.
Pois é, meu bom, o papo ta fluindo, mas é hora do batente: carro, trabalho, dinheiro, conta, boleta, calor, mulher, ex-mulher, dengue e a maldita goteira do banheiro.
Bota essa no pendura, Zé.

ANDRÉ FAXAS

domingo, 16 de março de 2008

A BULA DA VIDA (escrita por quem não sabe ler)

Carolina: aqui vão algumas palavras de vocabulário fácil que me vieram à mente. Especialmente hoje, não sei o porquê, deu-me uma imensa vontade de bolar um manual de sobrevivência para seu futuro. Minha arrogância e uma cavalar dose de utopia e medo me fizeram sentar a bunda à frente do computador. Deve ser efeito da idade que avança ou, simplesmente, um gigantesco desejo de vê-la sempre feliz.
De vez em quando, sofro arrepios quando vejo o mundo em que te coloquei, menina. Atordoô-me, confundo-me, espanto-me. Um planeta repleto de perigos, desventuras e dores. Um lugar recheado de pessoas más e comandado por um sistema injusto e selvagem. Por isso, estou aqui te oferecendo algumas armas que colaborarão em sua defesa quando eu faltar, pelo menos em teoria. Mas o que esperar de um pai que vive de palavras apenas ?
Dica 1: estude bastante. O conhecimento é a principal arma de nossa era, filha. Vale mais do que qualquer coisa, é o elemento insuflador do sucesso no século XXI. Mas tente saber um pouco de tudo, não seja específica. Mesmo que, às vezes, entedie e haja opções mais prazerosas, sempre procure ler jornais, revistas e livros (nesta ordem). Procure saber sobre política (mesmo que te enoje), História e Geografia. No entanto, não menospreze o conhecimento popular, a sabedoria da vida. Não se aliene do que te rodeia, muito menos descarte o que não for do seu interesse. Seja alguém inteligente que todos querem por perto, mas não se transforme na chata certinha que senta na primeira fileira da sala de aula. Tente se adaptar a todos os ambientes, mas não abra mão do prazer de fazer o que gosta. E, principalmente, mesmo que a verdade esteja contigo, não seja a dona ela. Porque é bom não se esquecer: a verdade é fútil e muda a cada momento.
Dica 2: Cuide da sua saúde. Parece contraditório um cara como eu falar isso, já que sempre considerei a criatividade intelectual prioritária à saúde física. Mais que isso: sempre fiz apologia ao prazer, mesmo que deteriorasse o organismo. Para mim, o importante era ser feliz, independente do preço a ser pago por isso. Em tese, continuo com o mesmo pensamento, mas, se tratando de você, minha filha, tendo a ser mais zeloso e darei meu braço a torcer. Principalmente, depois de passarmos dos trinta, os reflexos de uma vida desregrada na juventude se fazem presentes, deixam seqüelas. Nada de cigarro, álcool e drogas. Nada de noites sem dormir e churrasco todos os dias. Coma muitas frutas, legumes, faça atividades físicas e use camisinha. Eu sei, isso é um saco, mas depois dos trinta você vai me dar razão. Mas não se esqueça que não é o suficiente: para se manter viva, olhe para os dois lados ao atravessar a rua, não reaja a assaltos, não more perto de encostas, não seja picada pelo mosquito da dengue, não vá a cachoeiras e evite vôos da TAM. Tudo bem, sua vida vai ser mais entediante que uma missa em latim, mas quem sabe você não chegue aos noventa anos ?
Aliás, falando em missa, lá vai a DICA 3: tenha muito cuidado ao escolher uma religião. Isto é, se escolher uma, já que seu pai assinalou NRA no quesito acima. Eu sei que o assunto é polêmico, delicado, de cunho pessoal, já que estamos tratando de fé. Aliás, o que mais me arrependo em não ter escolhido uma religião, foi de não ter adquirido fé. E fé, admito hoje, é uma baita ajuda na vida moderna. Provada sua eficácia cientificamente, ela nos torna fortes ao males e às doenças. Só não exagere, senão vira fanatismo. Tente também não ser muito crítica em relação ao que as religiões pregam como verdade. Se fizer isso, vai acabar igual a mim: renegado a anti-cristo. Então não busque lógica no transcendental, apenas acate o que lhe for mais conveniente. Talvez garanta uma vaguinha no céu.
Pra finalizar, minha filha, gostaria de falar de caráter. Podem gargalhar à vontade, mas caráter eu tenho. Claro, não sou nenhum Tony Ramos, mas quem é, a não ser ele ? Defeitos, todos temos. Erros, todos cometemos. Ser humano é assim, é errar e acertar, amar e odiar, ganhar e perder. Nossa essência é ruim, assim como nossa índole humana, comandada pela máquina mais perversa já criada por Deus: o cérebro. Ele, que incita o verbo mais egoísta da língua portuguesa: querer ! Todos vivemos subjugados a nossos quereres, que nos tornam às vezes monstros, cruéis e impiedosos. Minha última dica seria a de controlar seus quereres, vivendo em harmonia com seu semelhante, toda a humanidade. Mas, filha, virar demagogo depois de velho é dose. Portanto, tente atingir todos os seus objetivos, conquistar suas vitórias. Claro, sempre dando boa importância à ética e, sobretudo, ao bom senso. Pois, meu neném, só os sensatos vencem. Por mais que sejam chatos, vaselinas, insossos, a vitória será sempre deles. Aprenda a controlar sua sinceridade, a mediar conflitos e a ponderar, perante o ódio e às injustiças. Não seja tão valente como gostaria e aprenda a retroceder em prol de um resultado favorável.
E, sobretudo, meu benzinho, mantenha seu coração leve, isento de mágoas e ódio. Aja sempre por ele, mesmo que de vez em quando quebre a cara. Afinal, lágrimas fazem parte da vida.
Aliás, como as minhas, toda vez que penso em você.

ANDRÉ FAXAS

terça-feira, 11 de março de 2008

MINHAS MULHERES

Mesmo que fosse catedrático, com doutorado em Harvard ou na Sorbonne, não conseguiria dissertar com clareza sobre o tema desta crônica. Mesmo que fosse um sábio mestre hindu, ou que tivesse poderes divinatórios, não saberia explicar com lógica a razão das palavras que virão a seguir. Aliás, razão e lógica são coisas que não se encaixam nos seres a quem dedico essas frases prolixas. Seres maravilhosos, complexos e incoerentes. Seres a quem amo, odeio, sofro, machuco, preciso e quero. Seres que me fazem existir em folhas de papel: minhas mulheres.
Quando digo minhas, é no sentido de dependência, necessidade. Sem elas não me surgiriam letras, não me brotaria sensibilidade. Sem elas envelheceria, tornaria-me pedra bruta, não aprenderia lições. Pois é, estou tão perdido quanto às mulheres dentro das boutiques, tão indeciso quanto elas a frente do guarda-roupa. Mas de homem em mim, agora, só me sobrará o tempo breve desta crônica. No mais, serei íntegro, serei justo, leve e indecifrável, suave e impiedoso. Serei um pouco mulher a partir de hoje.
À minoria de leitores homens que tenho, minhas desculpas: não haverá confronto, luta, enfrentamento. Não haverá competição, guerra dos sexos. Simplesmente pela razão de sermos de fato inferiores, primários e rudes, menores. E a vocês, amigos, um alerta: não sejamos apenas o pênis. Sejamos mais, penetremo-nas a alma, o espírito. Façamos o possível para que notemos os irreparáveis e mínimos cortes e tonalidades da cor de seus cabelos, elogiemos seu corpo, ouvimo-nas sem impor soluções para problemas, elas já as têm. Calemo-nos durante a menstruação, abstenhamo-nos do futebol na TV de vez em quando. Sejamos seus príncipes, mesmo que nosso lado sapo insista em aparecer.
Amo-as e odeio-as na mesma medida, irrito-me, delicio-me, aprendo a cada dia. Por elas escrevo, por elas perco minhas palavras. Falo, calo, me faço melhor a cada dia. Por elas me alimento, me divirto, sofro calado, sonho e almejo. Por elas me atormento, perco a paz, as protejo. São elas que atordoam meus sentidos, aguçam meus desejos. Delas me surgem seus corpos, suas formas, meus instintos. Com elas me inspiro, me fortaleço, me apequeno. Por elas existo.
Aos que as humilham, as oprimem, as agridem: a morte. Danem-se os que as desprezam, as vêem subservientes. Estrepem-se os que coçam o saco no sofá, os que deixam a tampa da privada levantada. Fodam-se os que as machucam e as ferem. Percam, os que as têm e não dão o devido valor. Sofram, aqueles que não sabem o que é o amor de uma mulher. Sejamos o mêcanico forte e sujo de graxa, quando elas quiserem. Sejamos o amigo homossexual que lhe alegra os ouvidos. Sejamos a parceira confidente de seus segredos, sejamos o pai, o irmão e o filho quando preciso. Sejamos o bouquet de flores ou a lingerie sexy, quando elas assim quiserem. Falemos eu te amo no ouvido, quando ansiarem. Ou a chamamos de putinha, quando elas assim pedirem. Gozemos apenas na hora em que elas autorizarem, mantenhamo-nos carinhosos e atenciosos, mesmo no cansaço pós-ato. Aceitemos suas amigas chatas e a vendedora da Avon, evitemos dormir durante um filme de arte ou de amor. Não falemos de amores passados, nem arrotemos na mesa da sala. Consertemos o encanamento do banheiro, mas nunca percamos a ternura de sermos crianças. Sejamos fiéis, mesmo que as tentações sejam grandes. Amemos a uma só, mesmo que existam outras tantas e tão boas quanto. Sejamos másculos e meninos, divertidos e sensíveis, ansiosos e pacientes. Sejamos tão dignos de amor quanto elas, lutemos pela igualdade, mas nunca nos esqueçamos que elas serão sempre mulheres. Serão eternamente meninas, debutantes em seus sonhos de felicidade e satisfação. Mesmo que, de tão satisfeitas, sempre se insatisfaçam com o mundo. Sejamos mulheres com pênis.
Conforme o prometido, pouco esclareci, pouco me esclareci. A crônica aproxima-se do fim e menos as entendo. Apenas tento amá-las mais a cada dia, tento-me exercitar na árdua missão de escutá-las, de obedecê-las. Treino para um dia ser um homem no mínimo bom, digno de estar a seu lado. Rezo para que meu amor seja pleno, livre de mágoas e erros. Rogo para que sempre provoque a coisa mais linda do mundo: o sorriso de uma mulher. Pois bem, mesmo sendo homem em toda plenitude, acho que a partir de hoje me tornarei um pouco mais feminino, mais humano, mais feliz.
ANDRÉ FAXAS