domingo, 24 de fevereiro de 2008

FLAMENGO 2

roubo descarado, má sorte, sina. Não estou pra ninguém.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

FLAMENGO



O pior é que nem bebi hoje. Suspeito de minha sanidade mental, já que nunca me imaginei escrevendo sequer o nome desse clube, quanto mais uma crônica sobre ele. Mas ando querendo exorcizar alguns fantasmas que me atormentam, e a única saída é escarrar minha sinceridade na folha de papel em branco.
Nesse domingo, meu Botafogo estará decidindo a Taça Guanabara no Maracanã. Poderia então, já que não faltaria inspiração e conteúdo para isso, escrever uma crônica apaixonada pelo time da estrela solitária. Mas como não consigo dar ordens ao teclado, sou obrigado a falar de nosso adversário desse domingo.
Eu sou de uma geração em que ser rubro-negro era quase uma obrigação. Também pudera, durante toda infância acompanhei a saga daquele time de Zico e cia. Time várias vezes campeão carioca, campeão brasileiro, da Libertadores e Mundial interclubes. Um esquadrão cuja escalação nunca me saiu da memória: Raul, Leandro, Figueiredo, Mozer e Júnior. Andrade, Adílio e Zico. Tita, Nunes e Lico. Um timaço. Talvez, em termo de clubes no Brasil, só comparado ao Santos de Pelé e ao Botafogo de Garrincha. Então, por que, um menino, no início da década de 80, não torceria por esse clube ? Pior: por que esse menino adotaria como seu clube de coração, um time que não ganhava nada há vários anos e que era o maior saco de pancadas de Zico e sua turma ? Por que esse bendito menino não se vestia de rubro-negro e saía com seus colegas comemorando as consecutivas glórias de seu clube ? Já pensei em inúmeras respostas a essa perguntas, mas consegui resumir em uma só: eu não quis a glória fácil. Preferi o caminho tortuoso da camisa alvinegra, preferi a minoria humilhada, a dor e a esperança da volta por cima. Porque ser Flamengo, até hoje, é muito fácil. Mesmo sem mais o Zico, é muito confortável estar ao lado da maioria, da massa, da maior torcida do Brasil. Deve ser muito bom encontrar pelas ruas uma enormidade de pessoas com a mesma camisa que a sua, deve dar orgulho vencer junto com o time, se tornando o décimo segundo jogador em campo. Muitos podem pensar: isso é inveja. E não nego, é sim. E muita.
Uma espécie de mistura de inveja com ódio, de recalque com mágoa. Mágoa por tantas dores a mim causadas, de tantas tardes de humilhação e silêncio. Tenho até hoje pesadelos com o seis a zero que Zico e cia. nos aplicaram em 81, com a banho na final do brasileirão de 92 e, ultimamente, com a decisão do carioca do ano passado. Isso sem contar das glórias deles em que estivemos ausentes, por absoluta falta de competência para acompanhá-los. Dou a mão à palmatória: os rubro-negros são mais vitoriosos que nós e mais felizes que nós. É o povo se livrando dos seus males através de uma paixão futebolística. Esquecendo da vida dura e suada, através de uma terapia baseada na catarse emocional coletiva da vitória. E nós, botafoguenses, também tão sofridos e suados, quase sempre continuamos nosso martírio aos domingos no maraca. Pois é, devem estar achando que já entreguei os pontos ou que essa crônica é pretexto de quem quer virar a casaca. Mas dessa vez é engano.
O menino dos anos 80 ainda vive intensamente dentro de mim. E o que ele gosta é do desafio, do risco e da singularidade. Porque, pra ele, é delicioso ser o destaque, ser o alvo, ser o diferente. Porque quando meu Botafogo ganha, só eu grito à vizinhança. E toda massa se cala, como em 1989, ou quando o time do Jairzinho aplicou o seis a zero neles no início da década de 70. E calar a massa me causa sempre um prazer equivalente a um orgasmo múltiplo ! Todos os arrogantes e prepotentes põem o rabo entra as pernas e se curvam ao solitário, ao mais fraco. Porque, desde a infância, percebi que era muito chato ser o que o outros eram. Deixar de ser indivíduo, para ser o todo. E não tenham dúvidas: do Botafoguense da Rua K todos sabem o nome.
É, não deu pra ser imparcial até o final, desculpem, mas o assunto é passional. Sobre nossa pendência desse domingo, prefiro não arriscar palpite. Mas algumas certezas eu já tenho: os rubro-negros vão incendiar o Mário Filho e a nação vai jogar junto; e eu, independente do resultado, vou ser o centro das atenções depois das seis da tarde.
Obrigado por tudo, Flamengo.

ANDRÉ FAXAS

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

LULA

Ontem ouvi na Band News FM uma notícia que me deixou estupefato: o Brasil conseguiu juntar o dinheiro para pagar a dívida externa. Mais que isso: mesmo pagando todo o valor, ainda sobrariam vários bilhões em reservas. Tenho trinta e cinco anos de idade e durante toda a minha vida sempre ouvi e li que o grande problema do nosso país era o pagamento dessa maldita dívida. Passei pelo fim da ditadura militar, pelo período “cruzado” do Sarney, pela era Collor, pelo Itamar e pelo almofadinha intelectual do FHC e seus tucanos. Durante todos esses anos, ouvi muito se falar de FMI, de moratória, de calote na dívida e de acordos de refinanciamento de débitos. Mas nunca, em tempo algum, ouvi a notícia que foi dada ontem: podemos pagar a dívida externa ! Para os mais novos pode parecer uma notícia como outra qualquer, mas, tenham certeza, não é. Durante mais de trinta anos, o Brasil pegou empréstimos com FMI para tampar buracos oriundos de gastos públicos excessivos. Precisou dos agiotas internacionais para salvar-se de sua própria incompetência de gestão. Nosso país gastava mais do que arrecadava e, com isso, como na nossa vida financeira, precisava de recursos de terceiros para não quebrar. Com isso, o montante foi crescendo, os juros se multiplicando e o dinheiro que deveria ser gasto com saúde, educação e infra-estrutura foi, obviamente, minguando. Muito do estado lamentável em que se encontram nossos serviços públicos essenciais é resultado desse matemática. Portanto, o que estou relatando é um fato concreto, não uma opinião pessoal. Aliás, opinião pessoal vou dar a partir de agora.
Durante a adolescência, orgulhava-me do meu “botton” que usava no peito. Um “botton” branco, com uma grande estrela vermelha onde lia-se a sigla “PT”. Tinha absoluta convicção que ali estava a resolução de todos os problemas sociais de nosso país. Que o PT significava a mudança, o conserto dos males e a expulsão´daqueles que nos roubavam e reprimiam. Que o socialismo era a opção correta para um país que necessitava exterminar as desigualdades e impor um modelo de justiça social, liderada por aqueles que mais sofriam, os trabalhadores. Eu queria também que os Estados Unidos sucumbissem (para não dizer se fodessem – aliás, ainda quero), que a Coca-Cola fosse extinta do país e que a Globo fosse estatizada. Reivindicava até mesmo o confisco do bens dos ricos e a luta armada por parte da classe proletariada. Mas a juventude passou. E passou para o PT também.
Quando o PT venceu a eleição de 2002, pensei: chegou nossa vez. Mesmo não tão louco e jovem como antes, ainda pairava em mim a indignação, a rebeldia. Ainda via pelas as ruas a miséria e a ignorância. Ainda via crianças nos sinais e pais de família sem trabalho. Ainda via poucos com muito e muitos com pouco. Estava ali minha redenção: o PT estava no poder e seria um exemplo de um governo sério, honesto, firme e justo. Apesar de ateu, dei graças a Deus pela debandada dos tucanos liberais e dos reacionários do PFL. Os trabalhadores tomavam o poder no lugar do patrões e, enfim, a justiça social seria feita em nosso país. Viria a reforma agrária, a educação e saúde nos moldes cubanos, a transparência na gestão e o fim da corrupção. Porém... ah, os poréns da vida, pouco ou nada disso se concretizou. O que eu vi foi a manutenção de uma política econômica conservadora, vi as mesmas caras de sempre comandando os ministérios, vi alianças com a direita populista e o pior, vi muita, muita corrupção. Vi Valdomiro Diniz, vi Marcos Valério, vi Delúbio, vi mensalão. Vi José Dirceu e José Genuíno, dois ícones da minha formação política, envolvidos até o pescoço em esquemas de caixa 2, tráfico de influência, prevaricação e desvio de dinheiro público. Todos os meus sonhos foram para o ralo e a decepção tomou conta de mim. Decepção e indignação com aqueles que, eu julgava ser, ilibados, dignos e honestos, como a maioria dos trabalhadores do Brasil. Quebrei a cara. Falando em cara, teve um que livrou a sua.
Até agora não mencionei o nome citado no título da crônica, mas, não tenham dúvidas, ele venceu o jogo. Venceu pela astúcia, pela inteligência, pela destreza. Uma vitória de quem passou quase intocado por tudo que o PT passou. Talvez por sua simpatia, seu carisma, sua barba grisalha e seu linguajar popular que, inevitavelmente nos tocam e nos inspiram uma confiança inexplicável, apesar dos despautérios que ocorreram e ocorrem. Mas ele é o cara. O cara que pagou a dívida externa ! O cara que tirou da miséria total cerca de 5 milhões de brasileiros, através do bolsa-família. O cara que me faz ter um padrão de vida que nunca antes supus obter (mesmo na juventude). E isso é fato, não opinião pessoal. Pois é, acho que o PT se foi. Ou alguém pode citar um nome do partido capaz de vencer a eleição em 2010 ? Que enfrente a maldita tucanada e seus reacionários demos ? Bem, do futuro, definitivamente, nada sei. Assim como deletei Marx e Engels na minha memória, posso fazer o mesmo com a decepção moral que tive. Afinal, sou brasileiro, e sempre dou uma cervejinha para o guarda quando o IPVA do meu carro está atrasado. E vou continuar amando e odiando o barbudinho pernambucano, pois ele é mais ou menos como nós: tem tudo pra dar errado, mas deu certo.

ANDRÉ FAXAS

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

PERDER: VERBO NEFASTO (2002)

A cada porta na cara que recebo, a cada não sinonimizado por palavras consoladoras e suaves, a cada decepção por alguma falha nos planos, a cada descoberta de que você não é tudo aquilo que pensa, me vem o verbo: perder. A cada mulher perfeita que não surge, a cada amigo que se vai, a cada jogo do Botafogo, me vem o verbo. Verbo mau, duro, por vezes camuflado ou fantasiado por ilusões do nosso ego. Perder: ato de derrota. Perder: o mau da vez. Talvez o mais difícil de ser defendido, pelo fato de ter duras relações pessoais com o ato de. Seja em quaisquer dos tempos verbais, conjugá-lo é um gesto de extrema coragem, sinceridade e ousadia (qualidades que raramente me surgem). Portanto, amigos perdedores, poremos o dedo na ferida desde já. E que a derrota nos sirva de lição (como também a vitória, lição muito melhor de ser aprendida).
Perder é duro. É tão duro, que é o mais amplo dos transitivos diretos. Aceita centenas de objetos, inúmeros substantivos. Podemos perder tanta coisa na vida, notaram ? O ônibus das 7:00 às 7:02, a nota de 50 reais que estava no bolso furado, o óculos de 300 que ficou no banco do táxi, a aliança de ouro que o sabonete jogou para o ralo da pia. Perder também pode ser complementado por substantivos abstratos: o amor da sua vida (aquele mesmo, tá lembrando ? Aquele que, por mais velho que você fique, nunca irá esquecer), a euforia dos 17 anos (essa mesma... que te fazia passar horas em claro dançando, sem comer ou dormir, e que te tornava o mais feliz dos seres), a inocência da infância. Podemos preenchê-lo também de detalhes corporais, como os cabelos negros derrotados pelos alvos. Em alguns casos (não o meu, é claro), todos os cabelos podem ser perdidos. O tempo nos faz perder a velocidade, a resistência, a agilidade. Perdemos também as roupas, os sapatos, aquela sunga linda que só entrava em ti há seis anos atrás. Perdemos, às vezes, o orgulho do espelho, o narciso que vivia no lago. Perdemos pessoas que amamos, a pior das perdas. Neste caso, o medo nos faz conjugá-lo no futuro, perdemos então a chance de não pensar em perdas, vivemos para que nunca aconteçam.
Derrotas geram incertezas. Perco toda vez que vejo meu monte de escritos empoeirados nas gavetas, perco sempre que noto que o sucesso é muito difícil. Perder é saber que não foi o suficiente, que faltou capacidade. Perder é não torcer para a Beija-Flor, é não ter visto o pôr do sol na baía de Angra dos Reis. Estou há muito tentando explicar a perda, mas só me vêm o “perder”. Talvez por causa da dor, que anistia a razão de saber perder- grande arte. Talvez pelo ego, pelo orgulho, pela arrogância. Talvez pelo fato de saber que a história é contada pelos que vencem, não pelos que perdem. Podia dizer – se eu fosse um cara politicamente correto – das lições tiradas nas derrotas, da necessidade de aprender a saber perder, do dia novo que virá amanhã. Da possibilidade da virada do jogo, do sucesso sobrepujando o fracasso. Mas, caros amigos, da derrota só tiro a dor. Só tiro a decepção, o desapontamento. Perder, pra mim, é admitir minha pequenez, assumir meus limites. E não há santo que tire isso da minha cabeça.
Caminhando por outros terrenos, talvez isto seja reflexo do mundo ocidental, sempre individualizado e competitivo. Vivemos na lei da selva, precisamos matar pra comer. Perder pode significar o fim, a falência. Creio que em algumas comunidades orientais isso mude de figura, o grupo se sobreponha ao indivíduo, a derrota se torne coletiva. No entanto, não é disso que falo. Deixo os sociólogos e antropólogos cuidarem desta área, prefiro manter-me no verbo, razão das minhas letras nesse papel em branco. Perder, a ação infinitiva. No gerúndio “perdendo” a vida vai. No particípio “perdido”, apenas a lamentação. Até hoje procuro a Playboy da Xuxa que minha avó deu fim há quase vinte anos. Até hoje busco o meu io-io “Super” da Coca-Cola, que garanto ter deixado na gaveta de minha irmã. Até hoje almejo aquela menina que me disse não na hora da música lenta no baile. Até agora vasculho em busca do menino levado que vivia dentro de mim. Tanto perdido ! Aqueles anos sem letras e papel, aquelas noites de brigas e lágrimas. Tanto perdi ! As chances de abraçar os amigos, de tomar aquela geladinha na Sexta-feira. Tanto perdi ! Nos anos de fumaça nos pulmões, nas vezes que deixei de agradecer a quem fez por mim. Pretendo não perder mais tanto, só o suficiente. Pelo menos pra sempre me lembrar que a perda faz parte da vida, é o nosso caminho.
A crônica vai chegando ao fim e minhas perdas aumentam. As duas horas de sono que perdi tentando escrever este texto, o mouse que despedaçou-se no chão, após um de meus atabalhoamentos. Farei o possível pra não voltar a perder com fumaça nos pulmões, mas está difícil ultimamente. Não perderei mais dias felizes com minha filha, e nem perderei meu tempo visitando sites pornográficos. Prometo perder alguns quilos, pois algumas perdas geram boas vitórias. E, obviamente, aproveitar este verão pra perder um pouco a solidão. Claro, pequenas férias, não vivo sem minha parceira de trabalho. Trabalho: pois é, neste caso, perder é ficar sem o que não se tem. É não ganhar, é não ter os seus cem mil livros vendidos. É não ficar ao lado do Jô, não dar entrevistas na TV Educativa. Perder – pra mim – é não ser lido, é ser delatado ao final de casa sessão de email. Então – por piedade – não me derrotem. Me ponham na pastinha amarela do Windows, guardem minhas letras.
Apesar de tantas perdas, acabo de vencer mais uma.
ANDRÉ FAXAS

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O CRÉU

Algo vem me atormentando nas últimas semanas. Deve ser a idade, mas a minha paciência vem se esgotando com mais facilidade. Em qualquer lugar que eu vá, na casa do vizinho, no meio do trânsito, nas festas em que minha empresa presta serviços, na televisão, na Internet, no quinto dos infernos, uma palavra tortura minha audição: créuuuuuuuu !!!! Desculpem se eu utilizei o termo “palavra”, mas essa aporrinhação anda desequilibrando minha razão. Nada contra o funk, um movimento de entretenimento da nossa juventude que, de fato, é eletrizante e tipicamente carioca. Aliás, muito me apetece suas batidas e letras maliciosas que, acompanhado de uma boa cervejinha gelada, me faz até ensaiar alguns passos tímidos. Melhor ainda o requebrado das mulheres, que me insuflam pensamentos nada cristãos, mas asseguram que, felizmente, não moro na Noruega. Tudo é uma delícia: o som, o sol, as saias curtas e sensação de amoralidade permitida. No entanto, o creu eu não agüento mais. Nada em relação ao sentido pejorativo da letra, se tem uma coisa que eu não sou é moralista. Nada contra o ritmo, o estilo ou a voz. (?) Muito porque se tivesse que ouvir “Iolanda” do Chico trinta vezes por dia, também me irritaria do mesmo jeito.
Em um país sério, sem pirataria, esse MC Creu já estaria rico. Se bem que, talvez, em um país sério, provavelmente não existiria o MC Creu. Mas como eu detesto países sérios, que sejam felizes e ricos os créus, sabãozinhos e gaiola das popozudas da vida. Que continuem dando alegria aos menos favorecidos, que encontram no funk talvez a única forma de divertimento à vida dura que levam (levamos). Mas reenfatizo: esse disco tem que ter uma outra faixa. A coisa tem dimensões fenomenais: ouve-se creu em todas as regiões do Rio, das favelas à zona sul, da roça à Barra. Todos dançam: crianças, velhos e até mesmo os recalcados. Dançam a safadas e os tímidos. O ricos e os pobres. Todos juntos em um só creu !
Aliás, de tomarmos um creu todos nós devemos estar cansados. Eu, pelo menos, tomo sempre creu no cartão de crédito, na conta de telefone, nos impostos e nos serviços que me são prestados pelo poder público. Todo ano tomamos creu dos políticos, geralmente na velocidade cinco, creu, creu, creu, creu, creu !
Acho que, escrevendo esta crônica (?) me deparei com uma conclusão: o MC Creu é um gênio. Que me perdoem os gênios da história da humanidade, mas esse sujeito criou o tema perfeito para o nosso \Brasil. Um hino nacional popular, que reflete com perfeição o que queremos de nosso país. Algo direto, incisivo e objetivo. Queremos creu ! Queremos mais creu ! Creu para os velhinhos e seus viagras, creu para as mal amadas, creu no chatos e moralistas, creu nos condomínios da Barra, creu no ladrões que nos subtraem esperança todos os dias. Só peço à minha mulher que tenha paciência comigo: creu toda hora ta difícil. Ainda mais na velocidade cinco, coisa capaz de matar qualquer sedentário acima dos trinta. Mas continuo dando meus créus, nem que seja no primeiro estágio.
Finalizando, devo adiantar que o desgraçado do vizinho continua ouvindo creu no volume máximo.
Vou abrir minha latinha de cerveja.

ANDRÉ FAXAS

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Tudo era brincadeira de criança, inocência, irresponsabilidade, liberdade. Então, os hormônios se manifestam, os desejos se consolidam, o ato se consuma. De repente, eis que a barriga cresce e, cedo demais, vem ao mundo uma nova geração. O filho se torna o pai e as bonecas de plástico da menina-moça dão lugar a um novo ser humano. Os seios ainda em formação agora são fonte de alimento e as fantasias da juventude se curvam à dura realidade da responsabilidade. Etapas são puladas, experiências são perdidas.
Não cabe aqui fazer juízo de valor ou emitir opiniões morais, éticas ou religiosas. Mas cabe defender o principal direito que a democracia nos concede: o da informação plena, cristalina e esclarecedora. E isso é responsabilidade de toda a sociedade, da família e do Estado. Mas, para isso, dogmas hipócritas precisam ser extirpados, canais igualitários de informação precisam ser abertos e uma ampla discussão, livre e isenta, precisa ser instaurada. Tudo deve ser posto na mesa, sem preconceitos e constrangimentos. Toda a juventude brasileira, das classes dominantes aos mais humildes, precisam falar e ouvir. Vários temas precisam vir à tona, de forma séria e democrática: legalização do aborto, métodos anti-conceptivos e educação sexual de verdade nas escolas.
O índice de gravidez na adolescência no Brasil é altíssimo, um dos maiores do mundo. Pior ainda, ocorre na maioria esmagadora das vezes nas classes menos favorecidas e entre jovens com baixo índice de escolaridade. Quando os hormônios afloram e o desejo desperta, a maioria deles não possui as informações básicas sobre os possíveis resultados da consumação e da satisfação dos instintos sexuais humanos, presentes em cada um de nós. Ignoram a possibilidade de uma gravidez indesejada ou da aquisição de doenças sexualmente transmissíveis, outro ítem onde nossa juventude excluída é líder mundial. Mas, a pergunta que fica é sempre a mesma: “o que podemos fazer para reduzir tais índices ?” Vivemos em um país subdesenvolvido, sem igualdade de acesso à informação, com educação e saúde precárias, repleto de ranços morais e religiosos. Seria querer demais, em um país onde grande parte da população passa fome, que nossos jovens, por conta própria, assumissem a responsabilidade pela aquisição de tais informações. Nós, a classe dominante, onde a palavra “dominante” apenas significa “Ter informação”, é que temos o dever de fazer o possível para alterar esse quadro, a fim de amenizar a tragédia social que assola o país.
Seria utopia propor um mudança profunda, que nos incluísse nos índices do primeiro mundo. Vivemos em um país mal colonizado, construído em bases desiguais, sem ênfase à liberdade democrática e à educação. Mas creio que é possível, no objetivo de reduzir os índices de gravidez na adolescência no Brasil, a descoberta de medidas paliativas eficazes. A principal delas é a implantação séria e isenta de preconceitos, da educação sexual nas escolas. Mais ainda, não só para os jovens, como para os pais também. Muitas das vezes, os filhos seguem o mesmo caminho dos pais na desinformação: estes mesmos foram frutos de gravidezes na adolescência. Vivem em condições precárias, muito pelo fato da família ser maior do que a capacidade de sustento dos responsáveis. Não é raro uma família com renda mensal de pouco mais de um salário mínimo, ter quatro, cinco filhos. E isso explode nas ruas: evasão escolar, crianças vendendo balas nos sinais e pior, na desintegração da família, no aumento da violência urbana. Portanto, é essencial que toda a família seja educada, informada. Que se livre dos pudores, da hipocrisia. Que aceite o fato dos humanos serem, por força da natureza, seres reprodutivos, incapazes de frearem o desejo da procriação. Mas que podem, pelo livre arbítrio da consciência, apenas consumarem seus instintos, sem necessariamente pôr filhos indesejados no mundo por tais meios. Essa educação sexual deve ser clara, sem o cientificismo acadêmico e nebuloso, incapaz de atingir os seus objetivos práticos. Deve ser divertida, esclarecedora e sincera. Não deve sonegar informações ou impor ideologias, quaisquer que sejam. Deve ser por vezes até vulgar, pois vulgares são as práticas dos desejos da carne. Feliz será o dia em que uma mãe ou pai porá um preservativo na bolsa do filho ou da filha. Feliz será o dia em que a nossa sociedade conservadora admitirá que somos, em essência, bichos. Que seus filhos transam, que é bom transar, é que é necessário regulamentar isso, a fim de não chegarem os netos antes da hora. A fim de não ter seu filho incluído em um programa de DST/Aids ou não vê-lo interromper sua formação educacional, para correr atrás de um trabalho que lhe dê uns trocadinhos para o leite das crianças.
O segundo ponto de redução dos índices é o mais polêmico de todos. Talvez o mais radical, o de mais difícil e cruel implantação: a legalização do aborto em nosso país. Certamente é a última das opções, mas, em meu ponto-de-vista, não deve ser descartado, já que o processo de educação se dá a médio e longo prazo, e creio que já atingimos um índice alarmante de implosão social, não temos muito tempo. Inicialmente, o aborto deve ser desvinculado de questões religiosas. Deve se ater exclusivamente à questões éticas. Deve ser regulamentado, possuir regras rígidas para sua realização, para que não nos tornemos assassinos em massa de bebês. Precisamos, para isso, de um sistema de saúde digno, confiável e forte. Deve ser sempre a última e derradeira solução. Deve vir depois da educação, da camisinha, das pílulas e da reflexão. Deve ser discutido amplamente pela sociedade, com direito de expressão aos favoráveis e aos contrários. Mas, sobretudo, deve ser encarado como algo que já existe de fato, nas clínicas ilegais de fundo de quintal. Clínicas essas utilizadas pelos próprios pais da classe média, quando vêem suas filhas perdendo a dita “honra” ao engravidarem antes do casamento. No entanto, a pobre coitada da favela, sem recursos, não tem acesso à rede pública para exercer sua vontade.
Vivemos em um país tropical, latino e com sangue quente nas veias. Não o Brasil idealizado pela elite branca das universidades ou dos condomínios da Barra da Tijuca. Não somos, felizmente, anglo-saxões protestantes e frios. Temos sensualidade nos quadris e na alma. Não adianta querer que nossa juventude perca isso, que nossas meninas ponham um vestido até os pés e que se casem virgens ao vinte e cinco anos de idade. Não adianta querer que sejamos máquinas, não humanos. Não adianta pôr a culpa na televisão e seus programas, pois a tela de tv é espelho de nós mesmos. Não culpem as músicas de axé, pagode e funk, pois o tesão pode surgir ao som de Mozart. Sejamos sinceros, francos e, sobretudo, práticos:
Sexo, sempre. DSTs, nunca. Gravidez, só no momento certo.

ANDRÉ FAXAS