sábado, 23 de fevereiro de 2008

FLAMENGO



O pior é que nem bebi hoje. Suspeito de minha sanidade mental, já que nunca me imaginei escrevendo sequer o nome desse clube, quanto mais uma crônica sobre ele. Mas ando querendo exorcizar alguns fantasmas que me atormentam, e a única saída é escarrar minha sinceridade na folha de papel em branco.
Nesse domingo, meu Botafogo estará decidindo a Taça Guanabara no Maracanã. Poderia então, já que não faltaria inspiração e conteúdo para isso, escrever uma crônica apaixonada pelo time da estrela solitária. Mas como não consigo dar ordens ao teclado, sou obrigado a falar de nosso adversário desse domingo.
Eu sou de uma geração em que ser rubro-negro era quase uma obrigação. Também pudera, durante toda infância acompanhei a saga daquele time de Zico e cia. Time várias vezes campeão carioca, campeão brasileiro, da Libertadores e Mundial interclubes. Um esquadrão cuja escalação nunca me saiu da memória: Raul, Leandro, Figueiredo, Mozer e Júnior. Andrade, Adílio e Zico. Tita, Nunes e Lico. Um timaço. Talvez, em termo de clubes no Brasil, só comparado ao Santos de Pelé e ao Botafogo de Garrincha. Então, por que, um menino, no início da década de 80, não torceria por esse clube ? Pior: por que esse menino adotaria como seu clube de coração, um time que não ganhava nada há vários anos e que era o maior saco de pancadas de Zico e sua turma ? Por que esse bendito menino não se vestia de rubro-negro e saía com seus colegas comemorando as consecutivas glórias de seu clube ? Já pensei em inúmeras respostas a essa perguntas, mas consegui resumir em uma só: eu não quis a glória fácil. Preferi o caminho tortuoso da camisa alvinegra, preferi a minoria humilhada, a dor e a esperança da volta por cima. Porque ser Flamengo, até hoje, é muito fácil. Mesmo sem mais o Zico, é muito confortável estar ao lado da maioria, da massa, da maior torcida do Brasil. Deve ser muito bom encontrar pelas ruas uma enormidade de pessoas com a mesma camisa que a sua, deve dar orgulho vencer junto com o time, se tornando o décimo segundo jogador em campo. Muitos podem pensar: isso é inveja. E não nego, é sim. E muita.
Uma espécie de mistura de inveja com ódio, de recalque com mágoa. Mágoa por tantas dores a mim causadas, de tantas tardes de humilhação e silêncio. Tenho até hoje pesadelos com o seis a zero que Zico e cia. nos aplicaram em 81, com a banho na final do brasileirão de 92 e, ultimamente, com a decisão do carioca do ano passado. Isso sem contar das glórias deles em que estivemos ausentes, por absoluta falta de competência para acompanhá-los. Dou a mão à palmatória: os rubro-negros são mais vitoriosos que nós e mais felizes que nós. É o povo se livrando dos seus males através de uma paixão futebolística. Esquecendo da vida dura e suada, através de uma terapia baseada na catarse emocional coletiva da vitória. E nós, botafoguenses, também tão sofridos e suados, quase sempre continuamos nosso martírio aos domingos no maraca. Pois é, devem estar achando que já entreguei os pontos ou que essa crônica é pretexto de quem quer virar a casaca. Mas dessa vez é engano.
O menino dos anos 80 ainda vive intensamente dentro de mim. E o que ele gosta é do desafio, do risco e da singularidade. Porque, pra ele, é delicioso ser o destaque, ser o alvo, ser o diferente. Porque quando meu Botafogo ganha, só eu grito à vizinhança. E toda massa se cala, como em 1989, ou quando o time do Jairzinho aplicou o seis a zero neles no início da década de 70. E calar a massa me causa sempre um prazer equivalente a um orgasmo múltiplo ! Todos os arrogantes e prepotentes põem o rabo entra as pernas e se curvam ao solitário, ao mais fraco. Porque, desde a infância, percebi que era muito chato ser o que o outros eram. Deixar de ser indivíduo, para ser o todo. E não tenham dúvidas: do Botafoguense da Rua K todos sabem o nome.
É, não deu pra ser imparcial até o final, desculpem, mas o assunto é passional. Sobre nossa pendência desse domingo, prefiro não arriscar palpite. Mas algumas certezas eu já tenho: os rubro-negros vão incendiar o Mário Filho e a nação vai jogar junto; e eu, independente do resultado, vou ser o centro das atenções depois das seis da tarde.
Obrigado por tudo, Flamengo.

ANDRÉ FAXAS

Um comentário:

Eduardo Ryu disse...

mesmo do seu texto e não por ser flamenguistas, mas sim por gostar de ler coisas boas!!!
Vou indicar aos meus amigos!!!
Um grande abraço