quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O CRÉU

Algo vem me atormentando nas últimas semanas. Deve ser a idade, mas a minha paciência vem se esgotando com mais facilidade. Em qualquer lugar que eu vá, na casa do vizinho, no meio do trânsito, nas festas em que minha empresa presta serviços, na televisão, na Internet, no quinto dos infernos, uma palavra tortura minha audição: créuuuuuuuu !!!! Desculpem se eu utilizei o termo “palavra”, mas essa aporrinhação anda desequilibrando minha razão. Nada contra o funk, um movimento de entretenimento da nossa juventude que, de fato, é eletrizante e tipicamente carioca. Aliás, muito me apetece suas batidas e letras maliciosas que, acompanhado de uma boa cervejinha gelada, me faz até ensaiar alguns passos tímidos. Melhor ainda o requebrado das mulheres, que me insuflam pensamentos nada cristãos, mas asseguram que, felizmente, não moro na Noruega. Tudo é uma delícia: o som, o sol, as saias curtas e sensação de amoralidade permitida. No entanto, o creu eu não agüento mais. Nada em relação ao sentido pejorativo da letra, se tem uma coisa que eu não sou é moralista. Nada contra o ritmo, o estilo ou a voz. (?) Muito porque se tivesse que ouvir “Iolanda” do Chico trinta vezes por dia, também me irritaria do mesmo jeito.
Em um país sério, sem pirataria, esse MC Creu já estaria rico. Se bem que, talvez, em um país sério, provavelmente não existiria o MC Creu. Mas como eu detesto países sérios, que sejam felizes e ricos os créus, sabãozinhos e gaiola das popozudas da vida. Que continuem dando alegria aos menos favorecidos, que encontram no funk talvez a única forma de divertimento à vida dura que levam (levamos). Mas reenfatizo: esse disco tem que ter uma outra faixa. A coisa tem dimensões fenomenais: ouve-se creu em todas as regiões do Rio, das favelas à zona sul, da roça à Barra. Todos dançam: crianças, velhos e até mesmo os recalcados. Dançam a safadas e os tímidos. O ricos e os pobres. Todos juntos em um só creu !
Aliás, de tomarmos um creu todos nós devemos estar cansados. Eu, pelo menos, tomo sempre creu no cartão de crédito, na conta de telefone, nos impostos e nos serviços que me são prestados pelo poder público. Todo ano tomamos creu dos políticos, geralmente na velocidade cinco, creu, creu, creu, creu, creu !
Acho que, escrevendo esta crônica (?) me deparei com uma conclusão: o MC Creu é um gênio. Que me perdoem os gênios da história da humanidade, mas esse sujeito criou o tema perfeito para o nosso \Brasil. Um hino nacional popular, que reflete com perfeição o que queremos de nosso país. Algo direto, incisivo e objetivo. Queremos creu ! Queremos mais creu ! Creu para os velhinhos e seus viagras, creu para as mal amadas, creu no chatos e moralistas, creu nos condomínios da Barra, creu no ladrões que nos subtraem esperança todos os dias. Só peço à minha mulher que tenha paciência comigo: creu toda hora ta difícil. Ainda mais na velocidade cinco, coisa capaz de matar qualquer sedentário acima dos trinta. Mas continuo dando meus créus, nem que seja no primeiro estágio.
Finalizando, devo adiantar que o desgraçado do vizinho continua ouvindo creu no volume máximo.
Vou abrir minha latinha de cerveja.

ANDRÉ FAXAS

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