terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Tudo era brincadeira de criança, inocência, irresponsabilidade, liberdade. Então, os hormônios se manifestam, os desejos se consolidam, o ato se consuma. De repente, eis que a barriga cresce e, cedo demais, vem ao mundo uma nova geração. O filho se torna o pai e as bonecas de plástico da menina-moça dão lugar a um novo ser humano. Os seios ainda em formação agora são fonte de alimento e as fantasias da juventude se curvam à dura realidade da responsabilidade. Etapas são puladas, experiências são perdidas.
Não cabe aqui fazer juízo de valor ou emitir opiniões morais, éticas ou religiosas. Mas cabe defender o principal direito que a democracia nos concede: o da informação plena, cristalina e esclarecedora. E isso é responsabilidade de toda a sociedade, da família e do Estado. Mas, para isso, dogmas hipócritas precisam ser extirpados, canais igualitários de informação precisam ser abertos e uma ampla discussão, livre e isenta, precisa ser instaurada. Tudo deve ser posto na mesa, sem preconceitos e constrangimentos. Toda a juventude brasileira, das classes dominantes aos mais humildes, precisam falar e ouvir. Vários temas precisam vir à tona, de forma séria e democrática: legalização do aborto, métodos anti-conceptivos e educação sexual de verdade nas escolas.
O índice de gravidez na adolescência no Brasil é altíssimo, um dos maiores do mundo. Pior ainda, ocorre na maioria esmagadora das vezes nas classes menos favorecidas e entre jovens com baixo índice de escolaridade. Quando os hormônios afloram e o desejo desperta, a maioria deles não possui as informações básicas sobre os possíveis resultados da consumação e da satisfação dos instintos sexuais humanos, presentes em cada um de nós. Ignoram a possibilidade de uma gravidez indesejada ou da aquisição de doenças sexualmente transmissíveis, outro ítem onde nossa juventude excluída é líder mundial. Mas, a pergunta que fica é sempre a mesma: “o que podemos fazer para reduzir tais índices ?” Vivemos em um país subdesenvolvido, sem igualdade de acesso à informação, com educação e saúde precárias, repleto de ranços morais e religiosos. Seria querer demais, em um país onde grande parte da população passa fome, que nossos jovens, por conta própria, assumissem a responsabilidade pela aquisição de tais informações. Nós, a classe dominante, onde a palavra “dominante” apenas significa “Ter informação”, é que temos o dever de fazer o possível para alterar esse quadro, a fim de amenizar a tragédia social que assola o país.
Seria utopia propor um mudança profunda, que nos incluísse nos índices do primeiro mundo. Vivemos em um país mal colonizado, construído em bases desiguais, sem ênfase à liberdade democrática e à educação. Mas creio que é possível, no objetivo de reduzir os índices de gravidez na adolescência no Brasil, a descoberta de medidas paliativas eficazes. A principal delas é a implantação séria e isenta de preconceitos, da educação sexual nas escolas. Mais ainda, não só para os jovens, como para os pais também. Muitas das vezes, os filhos seguem o mesmo caminho dos pais na desinformação: estes mesmos foram frutos de gravidezes na adolescência. Vivem em condições precárias, muito pelo fato da família ser maior do que a capacidade de sustento dos responsáveis. Não é raro uma família com renda mensal de pouco mais de um salário mínimo, ter quatro, cinco filhos. E isso explode nas ruas: evasão escolar, crianças vendendo balas nos sinais e pior, na desintegração da família, no aumento da violência urbana. Portanto, é essencial que toda a família seja educada, informada. Que se livre dos pudores, da hipocrisia. Que aceite o fato dos humanos serem, por força da natureza, seres reprodutivos, incapazes de frearem o desejo da procriação. Mas que podem, pelo livre arbítrio da consciência, apenas consumarem seus instintos, sem necessariamente pôr filhos indesejados no mundo por tais meios. Essa educação sexual deve ser clara, sem o cientificismo acadêmico e nebuloso, incapaz de atingir os seus objetivos práticos. Deve ser divertida, esclarecedora e sincera. Não deve sonegar informações ou impor ideologias, quaisquer que sejam. Deve ser por vezes até vulgar, pois vulgares são as práticas dos desejos da carne. Feliz será o dia em que uma mãe ou pai porá um preservativo na bolsa do filho ou da filha. Feliz será o dia em que a nossa sociedade conservadora admitirá que somos, em essência, bichos. Que seus filhos transam, que é bom transar, é que é necessário regulamentar isso, a fim de não chegarem os netos antes da hora. A fim de não ter seu filho incluído em um programa de DST/Aids ou não vê-lo interromper sua formação educacional, para correr atrás de um trabalho que lhe dê uns trocadinhos para o leite das crianças.
O segundo ponto de redução dos índices é o mais polêmico de todos. Talvez o mais radical, o de mais difícil e cruel implantação: a legalização do aborto em nosso país. Certamente é a última das opções, mas, em meu ponto-de-vista, não deve ser descartado, já que o processo de educação se dá a médio e longo prazo, e creio que já atingimos um índice alarmante de implosão social, não temos muito tempo. Inicialmente, o aborto deve ser desvinculado de questões religiosas. Deve se ater exclusivamente à questões éticas. Deve ser regulamentado, possuir regras rígidas para sua realização, para que não nos tornemos assassinos em massa de bebês. Precisamos, para isso, de um sistema de saúde digno, confiável e forte. Deve ser sempre a última e derradeira solução. Deve vir depois da educação, da camisinha, das pílulas e da reflexão. Deve ser discutido amplamente pela sociedade, com direito de expressão aos favoráveis e aos contrários. Mas, sobretudo, deve ser encarado como algo que já existe de fato, nas clínicas ilegais de fundo de quintal. Clínicas essas utilizadas pelos próprios pais da classe média, quando vêem suas filhas perdendo a dita “honra” ao engravidarem antes do casamento. No entanto, a pobre coitada da favela, sem recursos, não tem acesso à rede pública para exercer sua vontade.
Vivemos em um país tropical, latino e com sangue quente nas veias. Não o Brasil idealizado pela elite branca das universidades ou dos condomínios da Barra da Tijuca. Não somos, felizmente, anglo-saxões protestantes e frios. Temos sensualidade nos quadris e na alma. Não adianta querer que nossa juventude perca isso, que nossas meninas ponham um vestido até os pés e que se casem virgens ao vinte e cinco anos de idade. Não adianta querer que sejamos máquinas, não humanos. Não adianta pôr a culpa na televisão e seus programas, pois a tela de tv é espelho de nós mesmos. Não culpem as músicas de axé, pagode e funk, pois o tesão pode surgir ao som de Mozart. Sejamos sinceros, francos e, sobretudo, práticos:
Sexo, sempre. DSTs, nunca. Gravidez, só no momento certo.

ANDRÉ FAXAS

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