domingo, 23 de março de 2008

JOSÉ TRAJANO


Não sei bem o que está me levando a escrever este artigo. Provavelmente, a maioria que freqüenta esse blog não saiba quem é o sujeito do título acima. Alguns hão de recordar o nome, mas somente aqueles que são aficionados por futebol, como eu, vão identificar a personagem principal dessa crônica. Mas quem acha que vou escrever hoje sobre futebol, se engana redondamente. José Trajano é muito mais que isso.
Descobri agora o porquê da crônica: nesse momento estou trabalhando na Tijuca, na Rua Campos Sales, próximo ao Clube Municipal. Ainda pouco caminhei até à Praça Afonso Pena, onde visualizei ao longe a sede social do América Futebol Clube, clube de coração do velho Trajano. Bons tempos, diria ele, em que todo tijucano era torcedor do América. Mas, apesar das tentações, o assunto do artigo não é o América, não é a Tijuca, não é o futebol. É o José Trajano.
Passei a conhecê-lo no final da década de 90, quando as tvs por assinatura se popularizaram no Brasil. Sei que sua carreira vem de muito tempo, sendo figura notória do jornalismo esportivo brasileiro. Mas a primeira vez que ouvi seu nome, foi quando o Zagallo, indagado pela imprensa a respeito de sua famosa frase “vocês vão ter que me engolir !”, dita após a dramática vitória nos penaltis contra a Holanda, na semifinal da copa de 98, citou José Trajano entre os destinatários de seu desabafo. Indaguei-me: quem é José Trajano ? Hoje sei bem a resposta, tanto sobre quem é, quanto o porquê do velho lobo ter perdido as estribeiras. José Trajano às vezes me tira do sério.
Minha mulher então, nem se fala: basta acordar e ver o Trajano falando na TV, que seu humor piora. – Esse Trajano é um velho arrogante, que se acha o dono da verdade ! – diz ela. Para piorar a situação, ela sempre me flagra ouvindo o Trajano opinar sobre tudo: futebol, música, política, culinária, cinema e literatura. E sobre qualquer assunto em que mete o pitaco, de fato, o sujeito é o dono da verdade: “fulano é bom, cicrano não é, beltrano é uma porcaria” e assim vai. E ela, estupefata e irada, começa a discutir com o homem, como se de fato ele estivesse provocando-a intencionalmente. Aliás, é isso: José Trajano provoca a gente intencionalmente.
Toda vez em que não trabalho fora pela manhã, assisto ao Trajano, no programa “Pontapé Inicial” na ESPN Brasil. De fato, o homem é teimoso e ranzinza. Quase sempre está irritado, emburrado, seja com o América ou com seus funcionários da ESPN, quando não atendem suas determinações. Briga porque o som está baixo, ou porque está alto demais, ou porque não acharam a música que queria, ou porque está havendo buchicho no estúdio enquanto ele ouve seus discos de música instrumental. Aliás, José Trajano é o único profissional de televisão que tem um programa, em um canal de esportes, em que ouve, se deliciando, música instrumental brasileira ! Pelo menos nessa hora o homem se amansa, fecha os olhos e relaxa, para desespero de minha mulher, que acha isso o cúmulo: “Como, um sujeito pode interromper um programa popular, de futebol, para ouvir uma musiquinha que só ele gosta ?” O pior é que estou gostando dessa chatice de música instrumental brasileira. José Trajano vicia a gente.
Aliás, ele é assim: nos faz amá-lo e odiá-lo na mesma medida. Odiá-lo e amá-lo por sua sinceridade farta, pelo rigor de suas convicções, por sua mania de perfeição e por sua obstinação em se expressar. Porque José Trajano é expressão pura, é comunicação na essência, exemplo vivo do jornalismo original, onde a opinião vale tanto quanto o fato. Onde, muitas vezes, da opinião se extrai o fato, não o contrário. Mesmo quando se erra, e José Trajano também erra muito, vale mais o erro do que a omissão, a covardia, do que o jornalismo borra-botas que impera nessa era medíocre em que vivemos. Essa era tecnicista, mecânica, dos acadêmicos engravatados que entendem mais de computadores do que de gente. José Trajano é mais que um jornalista, ele é gente na essência. Gente de verdade, de fibra, com sangue nas veias. Doa a quem doer. E sei que às vezes dói nele mesmo: o velho tijucano deve pagar um preço muito caro por ser assim.
Pois é, velho Trajano, o tempo passa. A Tijuca já não é mais a mesma, o América também não e meu trabalho vai começar. Mas sei que você vai continuar a ser tijucano, americano e, desculpe a rima pobre, o José Trajano. Esse mesmo cara de quem vou discordar amanhã pela manhã.
E, por favor, esculhambe menos o Botafogo.


ANDRÉ FAXAS

sábado, 22 de março de 2008

PORMENORES


Viver não é mole, meu bom. Tanto problema, tanta chateação, tantos abacaxis a serem descascados e leões a serem mortos, que às vezes eu desanimo. Tanta dívida, tanta perturbação, que se torna quase impossível pensar em poesia numa hora dessas. Isso quando a saúde também não pifa, ou o carro, o computador, ou a maldita goteira no banheiro. Sem contar as mulheres e ex-mulheres, o Botafogo e a tv por assinatura que sai do ar quando chove. Vida difícil essa sob um calor de 40 graus, que decidiu aparecer logo depois das férias e do carnaval. Terrível essa vida de boletos e faturas, carnês e duplicatas. Meu bom, só tomando uma gelada pra relaxar ! Mas a cerveja aumentou, assim como a carne do churrasco e o carvão. Só nos restará o pandeiro e o tan-tan, mas com cuidado, pra vizinhança não reclamar.
E chegou a hora do IPVA e IPTU, da vistoria do Detran e do material escolar. Sem esquecer do dinheiro do advogado, do despachante e do celular. Ainda tem a tal da dengue que, tenho certeza, também vai me pegar. Vida dura, chapinha, vida dura. Roupa suada no corpo, secura na boca e ainda tem gente pra te encher o saco. Querem te cobrar dinheiro, por vezes atenção, compreensão, amizade, solidariedade, amor e fidelidade. Além de tudo te reprimem, repreendem, admoestam e te querem são. E nada da cerveja chegar !
Meu bom, eu acho que os imaturos deveriam ganhar uma pensão do governo. Receberíamos para não nos chatearmos ou estressarmos. Poderíamos acordar na hora em que quiséssemos, fazer o que quiséssemos e viver como quiséssemos. Haveria também a lei que obrigaria às mulheres a não cobrar dos maridos atenção, eficiência, amor e fidelidade. E uma lei mais rígida, que obrigaria às ex-mulheres a não perturbar mais ainda a já perturbada vida de seus ex-maridos. Junta-se a isso a lei da mordaça nas sogras, do silêncio nos cachorros e a estatização da Brahma, mas vê se arruma uma mais geladinha, Zé.
Para nos representarem em Brasília, votaremos em um candidato que defenda os imaturos, nos trazendo um pouco mais de paz e tranqüilidade. Queremos almoçar e não lavar louça, ficar 24 horas assistindo debates de esportes e que nenhum eletrodoméstico quebre em nossa casa. Não queremos trocar lâmpadas, apertar parafusos ou fechar registros. Nossos carros não poderão enguiçar e seremos isentos de cobranças de taxas e impostos. Poderemos brincar à vontade, dançar e ouvir música no volume máximo, sem que nos recriminem. Desejaremos os micro-shorts que passam pela rua, sem que nos admoestem. Não precisaríamos atender telefone, enfrentar fila de banco e teríamos um ar condicionado portátil, que nos acompanharia aonde fôssemos. Os imaturos, como nós, meu bom, seriam respeitados em seus direitos de serem eternamente crianças, sem compromissos, obrigações e deveres. Seríamos os reis do pedaço, cheios de regalias e benesses. Comeríamos, beberíamos e dormiríamos tranqüilos, teríamos salvo-conduto na madrugada e um sorriso na volta pra casa.
Pois é, meu bom, o papo ta fluindo, mas é hora do batente: carro, trabalho, dinheiro, conta, boleta, calor, mulher, ex-mulher, dengue e a maldita goteira do banheiro.
Bota essa no pendura, Zé.

ANDRÉ FAXAS

domingo, 16 de março de 2008

A BULA DA VIDA (escrita por quem não sabe ler)

Carolina: aqui vão algumas palavras de vocabulário fácil que me vieram à mente. Especialmente hoje, não sei o porquê, deu-me uma imensa vontade de bolar um manual de sobrevivência para seu futuro. Minha arrogância e uma cavalar dose de utopia e medo me fizeram sentar a bunda à frente do computador. Deve ser efeito da idade que avança ou, simplesmente, um gigantesco desejo de vê-la sempre feliz.
De vez em quando, sofro arrepios quando vejo o mundo em que te coloquei, menina. Atordoô-me, confundo-me, espanto-me. Um planeta repleto de perigos, desventuras e dores. Um lugar recheado de pessoas más e comandado por um sistema injusto e selvagem. Por isso, estou aqui te oferecendo algumas armas que colaborarão em sua defesa quando eu faltar, pelo menos em teoria. Mas o que esperar de um pai que vive de palavras apenas ?
Dica 1: estude bastante. O conhecimento é a principal arma de nossa era, filha. Vale mais do que qualquer coisa, é o elemento insuflador do sucesso no século XXI. Mas tente saber um pouco de tudo, não seja específica. Mesmo que, às vezes, entedie e haja opções mais prazerosas, sempre procure ler jornais, revistas e livros (nesta ordem). Procure saber sobre política (mesmo que te enoje), História e Geografia. No entanto, não menospreze o conhecimento popular, a sabedoria da vida. Não se aliene do que te rodeia, muito menos descarte o que não for do seu interesse. Seja alguém inteligente que todos querem por perto, mas não se transforme na chata certinha que senta na primeira fileira da sala de aula. Tente se adaptar a todos os ambientes, mas não abra mão do prazer de fazer o que gosta. E, principalmente, mesmo que a verdade esteja contigo, não seja a dona ela. Porque é bom não se esquecer: a verdade é fútil e muda a cada momento.
Dica 2: Cuide da sua saúde. Parece contraditório um cara como eu falar isso, já que sempre considerei a criatividade intelectual prioritária à saúde física. Mais que isso: sempre fiz apologia ao prazer, mesmo que deteriorasse o organismo. Para mim, o importante era ser feliz, independente do preço a ser pago por isso. Em tese, continuo com o mesmo pensamento, mas, se tratando de você, minha filha, tendo a ser mais zeloso e darei meu braço a torcer. Principalmente, depois de passarmos dos trinta, os reflexos de uma vida desregrada na juventude se fazem presentes, deixam seqüelas. Nada de cigarro, álcool e drogas. Nada de noites sem dormir e churrasco todos os dias. Coma muitas frutas, legumes, faça atividades físicas e use camisinha. Eu sei, isso é um saco, mas depois dos trinta você vai me dar razão. Mas não se esqueça que não é o suficiente: para se manter viva, olhe para os dois lados ao atravessar a rua, não reaja a assaltos, não more perto de encostas, não seja picada pelo mosquito da dengue, não vá a cachoeiras e evite vôos da TAM. Tudo bem, sua vida vai ser mais entediante que uma missa em latim, mas quem sabe você não chegue aos noventa anos ?
Aliás, falando em missa, lá vai a DICA 3: tenha muito cuidado ao escolher uma religião. Isto é, se escolher uma, já que seu pai assinalou NRA no quesito acima. Eu sei que o assunto é polêmico, delicado, de cunho pessoal, já que estamos tratando de fé. Aliás, o que mais me arrependo em não ter escolhido uma religião, foi de não ter adquirido fé. E fé, admito hoje, é uma baita ajuda na vida moderna. Provada sua eficácia cientificamente, ela nos torna fortes ao males e às doenças. Só não exagere, senão vira fanatismo. Tente também não ser muito crítica em relação ao que as religiões pregam como verdade. Se fizer isso, vai acabar igual a mim: renegado a anti-cristo. Então não busque lógica no transcendental, apenas acate o que lhe for mais conveniente. Talvez garanta uma vaguinha no céu.
Pra finalizar, minha filha, gostaria de falar de caráter. Podem gargalhar à vontade, mas caráter eu tenho. Claro, não sou nenhum Tony Ramos, mas quem é, a não ser ele ? Defeitos, todos temos. Erros, todos cometemos. Ser humano é assim, é errar e acertar, amar e odiar, ganhar e perder. Nossa essência é ruim, assim como nossa índole humana, comandada pela máquina mais perversa já criada por Deus: o cérebro. Ele, que incita o verbo mais egoísta da língua portuguesa: querer ! Todos vivemos subjugados a nossos quereres, que nos tornam às vezes monstros, cruéis e impiedosos. Minha última dica seria a de controlar seus quereres, vivendo em harmonia com seu semelhante, toda a humanidade. Mas, filha, virar demagogo depois de velho é dose. Portanto, tente atingir todos os seus objetivos, conquistar suas vitórias. Claro, sempre dando boa importância à ética e, sobretudo, ao bom senso. Pois, meu neném, só os sensatos vencem. Por mais que sejam chatos, vaselinas, insossos, a vitória será sempre deles. Aprenda a controlar sua sinceridade, a mediar conflitos e a ponderar, perante o ódio e às injustiças. Não seja tão valente como gostaria e aprenda a retroceder em prol de um resultado favorável.
E, sobretudo, meu benzinho, mantenha seu coração leve, isento de mágoas e ódio. Aja sempre por ele, mesmo que de vez em quando quebre a cara. Afinal, lágrimas fazem parte da vida.
Aliás, como as minhas, toda vez que penso em você.

ANDRÉ FAXAS

terça-feira, 11 de março de 2008

MINHAS MULHERES

Mesmo que fosse catedrático, com doutorado em Harvard ou na Sorbonne, não conseguiria dissertar com clareza sobre o tema desta crônica. Mesmo que fosse um sábio mestre hindu, ou que tivesse poderes divinatórios, não saberia explicar com lógica a razão das palavras que virão a seguir. Aliás, razão e lógica são coisas que não se encaixam nos seres a quem dedico essas frases prolixas. Seres maravilhosos, complexos e incoerentes. Seres a quem amo, odeio, sofro, machuco, preciso e quero. Seres que me fazem existir em folhas de papel: minhas mulheres.
Quando digo minhas, é no sentido de dependência, necessidade. Sem elas não me surgiriam letras, não me brotaria sensibilidade. Sem elas envelheceria, tornaria-me pedra bruta, não aprenderia lições. Pois é, estou tão perdido quanto às mulheres dentro das boutiques, tão indeciso quanto elas a frente do guarda-roupa. Mas de homem em mim, agora, só me sobrará o tempo breve desta crônica. No mais, serei íntegro, serei justo, leve e indecifrável, suave e impiedoso. Serei um pouco mulher a partir de hoje.
À minoria de leitores homens que tenho, minhas desculpas: não haverá confronto, luta, enfrentamento. Não haverá competição, guerra dos sexos. Simplesmente pela razão de sermos de fato inferiores, primários e rudes, menores. E a vocês, amigos, um alerta: não sejamos apenas o pênis. Sejamos mais, penetremo-nas a alma, o espírito. Façamos o possível para que notemos os irreparáveis e mínimos cortes e tonalidades da cor de seus cabelos, elogiemos seu corpo, ouvimo-nas sem impor soluções para problemas, elas já as têm. Calemo-nos durante a menstruação, abstenhamo-nos do futebol na TV de vez em quando. Sejamos seus príncipes, mesmo que nosso lado sapo insista em aparecer.
Amo-as e odeio-as na mesma medida, irrito-me, delicio-me, aprendo a cada dia. Por elas escrevo, por elas perco minhas palavras. Falo, calo, me faço melhor a cada dia. Por elas me alimento, me divirto, sofro calado, sonho e almejo. Por elas me atormento, perco a paz, as protejo. São elas que atordoam meus sentidos, aguçam meus desejos. Delas me surgem seus corpos, suas formas, meus instintos. Com elas me inspiro, me fortaleço, me apequeno. Por elas existo.
Aos que as humilham, as oprimem, as agridem: a morte. Danem-se os que as desprezam, as vêem subservientes. Estrepem-se os que coçam o saco no sofá, os que deixam a tampa da privada levantada. Fodam-se os que as machucam e as ferem. Percam, os que as têm e não dão o devido valor. Sofram, aqueles que não sabem o que é o amor de uma mulher. Sejamos o mêcanico forte e sujo de graxa, quando elas quiserem. Sejamos o amigo homossexual que lhe alegra os ouvidos. Sejamos a parceira confidente de seus segredos, sejamos o pai, o irmão e o filho quando preciso. Sejamos o bouquet de flores ou a lingerie sexy, quando elas assim quiserem. Falemos eu te amo no ouvido, quando ansiarem. Ou a chamamos de putinha, quando elas assim pedirem. Gozemos apenas na hora em que elas autorizarem, mantenhamo-nos carinhosos e atenciosos, mesmo no cansaço pós-ato. Aceitemos suas amigas chatas e a vendedora da Avon, evitemos dormir durante um filme de arte ou de amor. Não falemos de amores passados, nem arrotemos na mesa da sala. Consertemos o encanamento do banheiro, mas nunca percamos a ternura de sermos crianças. Sejamos fiéis, mesmo que as tentações sejam grandes. Amemos a uma só, mesmo que existam outras tantas e tão boas quanto. Sejamos másculos e meninos, divertidos e sensíveis, ansiosos e pacientes. Sejamos tão dignos de amor quanto elas, lutemos pela igualdade, mas nunca nos esqueçamos que elas serão sempre mulheres. Serão eternamente meninas, debutantes em seus sonhos de felicidade e satisfação. Mesmo que, de tão satisfeitas, sempre se insatisfaçam com o mundo. Sejamos mulheres com pênis.
Conforme o prometido, pouco esclareci, pouco me esclareci. A crônica aproxima-se do fim e menos as entendo. Apenas tento amá-las mais a cada dia, tento-me exercitar na árdua missão de escutá-las, de obedecê-las. Treino para um dia ser um homem no mínimo bom, digno de estar a seu lado. Rezo para que meu amor seja pleno, livre de mágoas e erros. Rogo para que sempre provoque a coisa mais linda do mundo: o sorriso de uma mulher. Pois bem, mesmo sendo homem em toda plenitude, acho que a partir de hoje me tornarei um pouco mais feminino, mais humano, mais feliz.
ANDRÉ FAXAS

quinta-feira, 6 de março de 2008

NÃO HÁ VAGAS PARA ATORES

Têm coisas que nunca mudam. Por mais que nos façam digitais, eletrônicos e frios, que nos tirem o tempo, que nos façam esquecer das coisas simples da vida, certas coisas não mudam. Por mais que o dinheiro nos governe, nos oprima e escravize, certas coisas não mudam. Por mais que o mundo nos pareça feio, sem graça e fútil, nada muda um sonho. Ninguém pode nos tirar o tesão, o prazer, a cachaça.
Dia desses, precisei de um ator para uma de minhas peças infantis. Coloquei anúncio em jornais, na Internet, no orkut. Oferecia, no anúncio, cinqüenta reais por apresentação da peça, normalmente realizada em escolas particulares de ensino fundamental. Centenas de pessoas ligaram, gente qualificada, muitos com nível superior em artes cênicas. Infelizmente, só dispunha de uma vaga, que foi rapidamente preenchida. Cito isso, pois apesar do valor pequeno, mesmo sendo o máximo que poderia pagar em relação ao que arrecado, ainda é muito dentro do que se paga a atores no Brasil. Isto é, se pagam.
Dinheiro e Teatro nunca tiveram uma boa relação. Talvez por culpa de nós mesmos, profissionais, que nunca nos fizemos fortes às tentações da paixão. Tentações de estar no palco, sentindo cheiro da madeira, nos mostrando, nos exibindo, sendo o centro das atenções. Tesão por viver outras vidas, por fingir, mentir, ser livre. Mas essa paixão e esse tesão têm um preço: o da sobrevivência do dia-a-dia. E ela, a sobrevivência, em qualquer tempo, nunca foi de privilegiar o glamour e o ego. Ela é dura, firme, pragmática. Ela precisa de liquidez, de dinheiro.
Fora a meia-dúzia de privilegiados que recebem seus ordenados na Globo, somos uma massa repleta de gente capacitada e apaixonada, que se vê obrigada a mudar de área para sobreviver. Não por falta de talento e dedicação, mas, sobretudo, por falta de sorte. Pois, em um meio que só cabem mil, sendo nós trinta mil, temos uma chance em trinta de sobreviver daquilo que nos é o bálsamo. Pobre do Brasil, que não constrói Teatros. Pobre do Brasil, que não educa suas crianças no valor à cultura cênica. Pobre de nós e de nossa paixão.
Mas ela não acaba. Cada dia que passa, mais apaixonados se deleitam. Mais sonhos surgem, mais decepções acontecem, como em toda paixão. Basta visitar uma escola de teatro, para vermos como se renova esse vício. Pena, que todos nós sabemos, mesmo que não queiramos, pois todo ator é um vaidoso por natureza, que pouquíssimos poderão escrever “ator” em qualquer formulário que exijam o nome da sua profissão. Pois, ser ator, de fato, é sobreviver de seu ofício. E, pra isso, meu chapa, não é mole não. É morder a rapadura sem os dentes.
No entanto, eu continuo esfolando meus punhos na ponta da faca. Talvez porque ainda não inventaram o “AA”. Similar aos Alcoólicos Anônimos, poderiam criar os “Atores Anônimos”, gente que precisa se livrar desse vício desgraçado. Gente que não precise fazer animação de festas e teatro em escolas, pra descolar um troco. Talvez um bom emprego público, uma casa própria com carro na garagem e uma vida pacata, familiar. Nada de spots de luz, de camarins e ensaios. Nada de viver uma vida que não é a sua, de fato. O melhor é sobreviver numa vidinha chata, mas com a carteira assinada, FGTS, PIS-PASEP e Previdência Social. Desculpe, mas vão à merda !
Há tempos desisti de atuar. Prefiro escrever, que, de uma forma ou de outra, também é uma forma de viver a vida dos outros. Melhor ainda, eu posso decidir seus destinos, sendo o ator de todos os papéis. Só peço desculpas a meus colegas, por não poder ceder gratuitamente os direitos autorais de minhas peças. Sei das dificuldades de vocês, mas minha filha também precisa comer e estudar.
E nessa vida de guerra a gente vai levando, um contra o outro, um ao lado do outro e todos contra nós. Na briga dos egos, no final da história, todos nos fodemos, ou levamos um creu, para melhor atualizar o fato. Que a Petrobrás e as telecons da vida continuem a encher os burros dos que já têm muito. Que a elite continue com sua pauta na meia dúzia de Teatros que dispomos. Que gastem seus dobrões de ouro na compra de textos estrangeiros e que continuem, como elite que são, a expor sua paixão à meia-dúzia de endinheirados nos mini-teatros dos shoppings da zona sul.
É, chega de glamour. Torço para que a massa vá ao povo. E o que, do povo, suado, trabalhador, repleto de sonhos, nos surja a redenção. Que dele nos venha o pão, o reconhecimento, nossa carteira assinada. Que nos mudemos dos conjugados alugados da zona sul e que façamos o Teatro que o povo quer e precisa. Pois a marca da cachaça é a mesma, barata e deliciosa.
Aliás, uma boa notícia no final do crônica: tocou o terceiro sinal.


ANDRÉ FAXAS

quarta-feira, 5 de março de 2008

UMA GERAÇÃO BURRA

Nunca pensei que meu lado reacionário fosse despertar um dia. Logo eu, moderninho assumido, liberal convicto e democrata de índole. Logo eu, todo prosa por minha mente jovem e aberta, estou aqui para rejeitar o novo. Talvez mais, talvez lamento ao novo. Pois, o que surge e o que se promete surgir, está muito aquém do desejável.
Minha geração surgiu numa entressafra: tínhamos a missão de substituir duas gerações brilhantes, mesmo sem possuir a genialidade dos 60 ou sem a rebeldia dos 70. Como diria o mítico Renato Russo, éramos os “filhos da revolução”: jovens que tiveram uma infância farta, devido ao milagre econômico dos militares e educados seguindo os rigores da caserna do Estado. Estudávamos “Educação Moral e Cívica” no primário e catecismo na igreja. Quase nada sabíamos, além daquilo que o regime vigente nos permitia saber. Tesão, só nos seios minguados da Sônia Braga e nas pornochanchadas rodrigueanas exibidas nas madrugadas da Bandeirantes. Música, só Roberto Carlos para os românticos e Sidney Magal para os animados. Televisão, apenas o Sítio do Pica-Pau Amarelo para às crianças e novelas da Janete Clair para os adultos. Tínhamos tudo para ser uma geração de merda, apesar das qualidades do Sítio, da Janete, da Sônia Braga, do Roberto Carlos e até mesmo do Sidney Magal, o MC Creu da época. Mas, felizmente, não fomos. Mesmo inferiores intelectualmente a nossos antecessores, conseguimos dar a volta por cima e deixamos boas coisas na História.
Toda minha geração nasceu aos dez, onze anos de idade. Viemos ao mundo em 1985, com a abertura política. De repente, um furacão de informações a nós sonegadas, inundava as mentes, como se uma década de cegueira recebesse córneas novas. Do nada, nos surgiam Chico e Caetano, Karl Marx, Fernando Gabeira, “O Último Tango em Paris”. De repente, livros foram devorados com a fome de um Ogro. Verdades absolutas poderiam ser contestadas e a rebeldia típica da juventude poderia, enfim, fluir. Os filhos da revolução puderam então lançar seus ícones e desenvolver uma consciência crítica do mundo. Tudo bem, nada assim tão relevante, mas dificilmente um homem ou mulher acima dos trinta, fica calado em uma conversa sobre qualquer assunto na mesa de bar. Porque, nos anos 80, a cultura do saber estava interligada à da diversão. Saber, não necessariamente intelectual, acadêmico. Saber por saber, apenas. Por necessidade de sobrevivência, por tesão.
Queria muito evitar, neste artigo, o velho clichê “no meu tempo...” Queria também não escrever “mas hoje em dia...” No entanto, não vou conseguir não fazê-lo. Pois, no meu tempo, que por sinal é hoje, ser bom era ter conteúdo. Era ter personalidade, opinião. Era ter consciência do que ocorre no mundo, era posicionar-se em relação a qualquer coisa que lhe fosse questionada. No meu tempo, erros de português eram admitidos, mas frases indecifráveis pouco se viam. Vivemos na era da preguiça, da acomodação ignorante. Estamos em um tempo de mediocridade, de pobreza de espírito. E não digo isso apenas aos desprovidos do destino, que pouco acesso têm à educação. Escrevo para a juventude que estuda, que acessa a Internet. Que muito tem de técnica específica, mas pouco de criatividade. Que sabe tudo de informática, mas que ignora o nome do Ministro da Ciência e Tecnologia. Que não lê jornal, não opina sobre nada e que só vive em função do dinheiro e do prazer. Geração que não vai ao cinema e ao teatro. Geração que não deixará legado algum na música e na pintura. Tecnicistas, epicuristas e chatos, sob a manta do “politicamente correto”.
Presas fáceis dos demagogos e malandros acima dos trinta.

ANDRÉ FAXAS

terça-feira, 4 de março de 2008

O SOCIALISMO NÃO MORREU ?

Não responderei a pergunta do título da crônica, muito porque não tenho a resposta. Aliás, acho que tenho, mas não estou bem convicto de sua justificativa. Pois, se tratando de ideologia, quesitos essenciais como racionalismo e imparcialidade não têm seu devido valor. Claro, não vou me abster a dar uns pitacos, mas não esperem de mim algo significativo. Desde a década de 90, após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, que a maioria afirma que o socialismo acabou. De fato, apesar de se tratando de História, onde nenhum fenômeno tão recente pode ser considerado concluído, chegamos à mesma conclusão. Pouco sobrou do apogeu socialista das décadas de 50, 60 e 70: Cuba, massacrada economicamente pelo bloqueio dos EUA e sem Fidel; pequenas ditaduras trotkistas na Ásia e a grandiosa China, socialista politicamente, mas o maior capitalismo emergente do mundo. Quase nada, comparando-se ao período citado acima, quando os países que implantaram as doutrinas de Marx e Engels dividiam ao meio o mapa geopolítico do mundo. Estou puxando esse assunto porque, por incrível que pareça, apesar de ter seu atestado de óbito assinado, o socialismo parece que ainda respira por aparelhos.
E não é que, logo da América do Sul, desprezível em representatividade governamental ao socialismo em seu apogeu, o moribundo ameaça ressurgir. Logo do ventre dos derrotados pelas ditaduras militares de direita, estará renascendo a ideologia dos trabalhadores, dos camponeses e dos excluídos ? Bem que eu suspeitava que não acabariam com uma paixão tão avassaladora assim, simplesmente decretando o fim de um sistema político-econômico. Não se dá para apagar da alma um sonho, pois, apesar dos percalços e erros, ainda não soube de nada mais justo para se guiar os destinos de uma nação do que o socialismo. Gostos à parte, ressalvas também (a Stalin, aos sanguinários do leste europeu, aos populistas e às ditaduras vermelhas), gostaria de me aprofundar um pouco mais no nosso socialismo tropical. Socialismo de Hugo Chávez, sujeito chato, antipático e arrogante, mas extremamente carismático e competente. Socialismo de Evo Morález, líder indígena que tirou das mãos dos poderosos a tão sofrida Bolívia. Também populista, arrogante e prepotente, mas socialista, que é o que importa. Socialismo de Rafael Correa, presidente do Equador, a parte do triângulo que faltava. Hugo, Evo e Rafael, sem contar a esquerda moderada: Bachelet, Tabaré, Cristina e, claro, nosso Lula. Certamente essa turma deve tirar o sono do Bush, apesar do desgraçado ter problemas mais sérios pra resolver no oriente médio e no seu próprio país. Mas a chapa começou a esquentar por aqui e o circo ameaça pegar fogo. Os moderados devem estar morrendo de saudades do Sarney, do Alfonsín e do Sanguinetti, os presidentes-vaselina. Os reacionários devem estar doidos por um novo Pinochet, ícone da macheza militar da direita capitalista.
Não sei no que vai dar, mas estava precisando de adrenalina política na minha vida. Deu saudade da época em que pregava a luta armada, onde meu maior desejo era ver o fim do imperialismo americano. Mas, pensando bem, coitadinha da Colômbia e da nossa economia estabilizada e globalizada, já que vou ter que pagar as contas no fim do mês.
Sentar e conversar. Conselhos de um velho.

ANDRÉ FAXAS

sábado, 1 de março de 2008

BIG BROTHER BRASIL

Há tempos desisti de consertar o Brasil. Desisti da utopia de um país justo, igualitário socialmente, íntegro e honesto. Há tempos desisti de transformar essa zona numa Finlândia. Já se foi o tempo em que panfletava por um Brasil austero, culto e ético. Que as ruas fossem limpas, que o uso do português fosse correto, que a leitura fosse hábito da população e que os debates intelectuais da TV Educativa fossem líderes do IBOPE. Que não houvesse mais camelôs nas ruas, crianças nos sinais e adultos analfabetos. Delirava por um país em que a música brasileira de qualidade estivesse entre as mais ouvidas e que as livrarias vivessem cheias. Mas, como disse, desisti.
Talvez o tempo que passa e as porradas que a gente leva, nos tornem mais acomodados. Talvez nos tornem menos aguerridos, mais cansados. Talvez mais burros.
O fato é que a cada dia que passa me sinto menos intelectual, apesar de saber bem mais do que sabia há 20 anos atrás. Porque, para ser intelectual é obrigatório se sentir intelectual. E, atualmente, se sentir intelectual, pra mim, é tão chato quanto assistir a uma apresentação do ballet Bolshoi no Teatro Municipal. Talvez possa ser isso um sintoma de nossa época, em que o imediatismo das informações, a escassez do tempo e o entretenimento a qualquer custo nos tornam escravos de sua rotina. Há muito que não tenho mais paciência para ver um filme de Buñuel ou para ouvir música clássica. Já faz tempo que a ida a algum museu não entra no meu item “diversão”. Sumiu-me da memória a última vez em que abri algum enorme livro de Filosofia. Sempre surgem sentimentos de culpa, mas, no final, a conclusão é quase sempre a mesma: tudo isso é muito chato. E, de fato, é. Ou alguém tem saudades das missas em latim ?
Dia desses, tive que me definir em um site de relacionamentos da Internet. Perguntaram-me sobre gostos pessoais, como músicas, livros, filmes e programas de tv. Fiquei horas tentando responder, a fim de encontrar as melhores respostas. Melhores, no sentido de como me veriam, do que seria mais interessante responder a fim de divulgar minha boa imagem de escritor intelectualizado. Pois eu desisti de ser o que não sou, assim como eu desisti de ser de um Brasil que não é. Desisti dos vinhos do Renato Machado, pois eu gosto de vinho doce, gelado e barato. Gosto de feijão, arroz, bife e batata frita. Acompanho as fofocas da tv e do cinema e acho o Wagner Montes um bom apresentador. Vejo grandes qualidades na literatura do Paulo Coelho e considero o funk um movimento cultural da música popular brasileira. Hoje em dia não tenho mais vergonha de dizer que acho o cinema novo um saco e que, filmes brasileiros, pra mim, só existiram dois: Cidade de Deus e Tropa de Elite. Tudo bem, velhos hábitos não consegui deixar: ainda amo Chico, Caetano, Milton e Tom (isso ainda é ser cult ?), ainda adoro ir a exposições no CCBB e ler os grossos livros do Elio Gaspari. Mas, nas noites de domingo e terça-feira, não liguem pra mim: meu único interesse na vida é assistir ao BBB na Globo.
Pronto, lá vou eu para o paredão.

ANDRÉ FAXAS