Têm coisas que nunca mudam. Por mais que nos façam digitais, eletrônicos e frios, que nos tirem o tempo, que nos façam esquecer das coisas simples da vida, certas coisas não mudam. Por mais que o dinheiro nos governe, nos oprima e escravize, certas coisas não mudam. Por mais que o mundo nos pareça feio, sem graça e fútil, nada muda um sonho. Ninguém pode nos tirar o tesão, o prazer, a cachaça.
Dia desses, precisei de um ator para uma de minhas peças infantis. Coloquei anúncio em jornais, na Internet, no orkut. Oferecia, no anúncio, cinqüenta reais por apresentação da peça, normalmente realizada em escolas particulares de ensino fundamental. Centenas de pessoas ligaram, gente qualificada, muitos com nível superior em artes cênicas. Infelizmente, só dispunha de uma vaga, que foi rapidamente preenchida. Cito isso, pois apesar do valor pequeno, mesmo sendo o máximo que poderia pagar em relação ao que arrecado, ainda é muito dentro do que se paga a atores no Brasil. Isto é, se pagam.
Dinheiro e Teatro nunca tiveram uma boa relação. Talvez por culpa de nós mesmos, profissionais, que nunca nos fizemos fortes às tentações da paixão. Tentações de estar no palco, sentindo cheiro da madeira, nos mostrando, nos exibindo, sendo o centro das atenções. Tesão por viver outras vidas, por fingir, mentir, ser livre. Mas essa paixão e esse tesão têm um preço: o da sobrevivência do dia-a-dia. E ela, a sobrevivência, em qualquer tempo, nunca foi de privilegiar o glamour e o ego. Ela é dura, firme, pragmática. Ela precisa de liquidez, de dinheiro.
Fora a meia-dúzia de privilegiados que recebem seus ordenados na Globo, somos uma massa repleta de gente capacitada e apaixonada, que se vê obrigada a mudar de área para sobreviver. Não por falta de talento e dedicação, mas, sobretudo, por falta de sorte. Pois, em um meio que só cabem mil, sendo nós trinta mil, temos uma chance em trinta de sobreviver daquilo que nos é o bálsamo. Pobre do Brasil, que não constrói Teatros. Pobre do Brasil, que não educa suas crianças no valor à cultura cênica. Pobre de nós e de nossa paixão.
Mas ela não acaba. Cada dia que passa, mais apaixonados se deleitam. Mais sonhos surgem, mais decepções acontecem, como em toda paixão. Basta visitar uma escola de teatro, para vermos como se renova esse vício. Pena, que todos nós sabemos, mesmo que não queiramos, pois todo ator é um vaidoso por natureza, que pouquíssimos poderão escrever “ator” em qualquer formulário que exijam o nome da sua profissão. Pois, ser ator, de fato, é sobreviver de seu ofício. E, pra isso, meu chapa, não é mole não. É morder a rapadura sem os dentes.
No entanto, eu continuo esfolando meus punhos na ponta da faca. Talvez porque ainda não inventaram o “AA”. Similar aos Alcoólicos Anônimos, poderiam criar os “Atores Anônimos”, gente que precisa se livrar desse vício desgraçado. Gente que não precise fazer animação de festas e teatro em escolas, pra descolar um troco. Talvez um bom emprego público, uma casa própria com carro na garagem e uma vida pacata, familiar. Nada de spots de luz, de camarins e ensaios. Nada de viver uma vida que não é a sua, de fato. O melhor é sobreviver numa vidinha chata, mas com a carteira assinada, FGTS, PIS-PASEP e Previdência Social. Desculpe, mas vão à merda !
Há tempos desisti de atuar. Prefiro escrever, que, de uma forma ou de outra, também é uma forma de viver a vida dos outros. Melhor ainda, eu posso decidir seus destinos, sendo o ator de todos os papéis. Só peço desculpas a meus colegas, por não poder ceder gratuitamente os direitos autorais de minhas peças. Sei das dificuldades de vocês, mas minha filha também precisa comer e estudar.
E nessa vida de guerra a gente vai levando, um contra o outro, um ao lado do outro e todos contra nós. Na briga dos egos, no final da história, todos nos fodemos, ou levamos um creu, para melhor atualizar o fato. Que a Petrobrás e as telecons da vida continuem a encher os burros dos que já têm muito. Que a elite continue com sua pauta na meia dúzia de Teatros que dispomos. Que gastem seus dobrões de ouro na compra de textos estrangeiros e que continuem, como elite que são, a expor sua paixão à meia-dúzia de endinheirados nos mini-teatros dos shoppings da zona sul.
É, chega de glamour. Torço para que a massa vá ao povo. E o que, do povo, suado, trabalhador, repleto de sonhos, nos surja a redenção. Que dele nos venha o pão, o reconhecimento, nossa carteira assinada. Que nos mudemos dos conjugados alugados da zona sul e que façamos o Teatro que o povo quer e precisa. Pois a marca da cachaça é a mesma, barata e deliciosa.
Aliás, uma boa notícia no final do crônica: tocou o terceiro sinal.
ANDRÉ FAXAS
Dia desses, precisei de um ator para uma de minhas peças infantis. Coloquei anúncio em jornais, na Internet, no orkut. Oferecia, no anúncio, cinqüenta reais por apresentação da peça, normalmente realizada em escolas particulares de ensino fundamental. Centenas de pessoas ligaram, gente qualificada, muitos com nível superior em artes cênicas. Infelizmente, só dispunha de uma vaga, que foi rapidamente preenchida. Cito isso, pois apesar do valor pequeno, mesmo sendo o máximo que poderia pagar em relação ao que arrecado, ainda é muito dentro do que se paga a atores no Brasil. Isto é, se pagam.
Dinheiro e Teatro nunca tiveram uma boa relação. Talvez por culpa de nós mesmos, profissionais, que nunca nos fizemos fortes às tentações da paixão. Tentações de estar no palco, sentindo cheiro da madeira, nos mostrando, nos exibindo, sendo o centro das atenções. Tesão por viver outras vidas, por fingir, mentir, ser livre. Mas essa paixão e esse tesão têm um preço: o da sobrevivência do dia-a-dia. E ela, a sobrevivência, em qualquer tempo, nunca foi de privilegiar o glamour e o ego. Ela é dura, firme, pragmática. Ela precisa de liquidez, de dinheiro.
Fora a meia-dúzia de privilegiados que recebem seus ordenados na Globo, somos uma massa repleta de gente capacitada e apaixonada, que se vê obrigada a mudar de área para sobreviver. Não por falta de talento e dedicação, mas, sobretudo, por falta de sorte. Pois, em um meio que só cabem mil, sendo nós trinta mil, temos uma chance em trinta de sobreviver daquilo que nos é o bálsamo. Pobre do Brasil, que não constrói Teatros. Pobre do Brasil, que não educa suas crianças no valor à cultura cênica. Pobre de nós e de nossa paixão.
Mas ela não acaba. Cada dia que passa, mais apaixonados se deleitam. Mais sonhos surgem, mais decepções acontecem, como em toda paixão. Basta visitar uma escola de teatro, para vermos como se renova esse vício. Pena, que todos nós sabemos, mesmo que não queiramos, pois todo ator é um vaidoso por natureza, que pouquíssimos poderão escrever “ator” em qualquer formulário que exijam o nome da sua profissão. Pois, ser ator, de fato, é sobreviver de seu ofício. E, pra isso, meu chapa, não é mole não. É morder a rapadura sem os dentes.
No entanto, eu continuo esfolando meus punhos na ponta da faca. Talvez porque ainda não inventaram o “AA”. Similar aos Alcoólicos Anônimos, poderiam criar os “Atores Anônimos”, gente que precisa se livrar desse vício desgraçado. Gente que não precise fazer animação de festas e teatro em escolas, pra descolar um troco. Talvez um bom emprego público, uma casa própria com carro na garagem e uma vida pacata, familiar. Nada de spots de luz, de camarins e ensaios. Nada de viver uma vida que não é a sua, de fato. O melhor é sobreviver numa vidinha chata, mas com a carteira assinada, FGTS, PIS-PASEP e Previdência Social. Desculpe, mas vão à merda !
Há tempos desisti de atuar. Prefiro escrever, que, de uma forma ou de outra, também é uma forma de viver a vida dos outros. Melhor ainda, eu posso decidir seus destinos, sendo o ator de todos os papéis. Só peço desculpas a meus colegas, por não poder ceder gratuitamente os direitos autorais de minhas peças. Sei das dificuldades de vocês, mas minha filha também precisa comer e estudar.
E nessa vida de guerra a gente vai levando, um contra o outro, um ao lado do outro e todos contra nós. Na briga dos egos, no final da história, todos nos fodemos, ou levamos um creu, para melhor atualizar o fato. Que a Petrobrás e as telecons da vida continuem a encher os burros dos que já têm muito. Que a elite continue com sua pauta na meia dúzia de Teatros que dispomos. Que gastem seus dobrões de ouro na compra de textos estrangeiros e que continuem, como elite que são, a expor sua paixão à meia-dúzia de endinheirados nos mini-teatros dos shoppings da zona sul.
É, chega de glamour. Torço para que a massa vá ao povo. E o que, do povo, suado, trabalhador, repleto de sonhos, nos surja a redenção. Que dele nos venha o pão, o reconhecimento, nossa carteira assinada. Que nos mudemos dos conjugados alugados da zona sul e que façamos o Teatro que o povo quer e precisa. Pois a marca da cachaça é a mesma, barata e deliciosa.
Aliás, uma boa notícia no final do crônica: tocou o terceiro sinal.
ANDRÉ FAXAS
4 comentários:
oi!!
Tava no msn com um amigo q tá na Bahia vivendo como ator e ganhando como ator,ele é formado em Artes Cenicas e sempre nos intervalos das viagens vem me ver e me contar como tá sendo viver como ator na carteira!!!Sou professora de ingles mas adoraria ser atriz,rsrs,mas como vc mesmo disse minha filha precisa comer!!
Dedico o q sobra das 24 horas do meu dia pro teatro mas aki na minha cidade as pessoas envolvidas no teatro são exageradamente vaidosas e sensiveis,quase ninguem se fala entre si é uma guerra declarada mesmo!!
Muito legal saber q alguem pensa como eu,e nós não somos os unicos!!Um grande abraço
Flavinha
PS sua filha é uma gracinha!
Ótimo texto...
Você é um gênio, tenho esse pensamento desde a adolescência, que foi quando descobri que sou apaixonado por cheiro de madeira velha de teatro e coxia mofada!
Larguei a "profissão" para ter FGTS e coisas e tal...
Mas a paixão não acaba, sou um sem - vergonha mesmo...
Um grande abraço!
Cara é verdade!
Não é vício, é loucura.
Fiquei 06 anos sem fazer teatro, pra ter fgts, carteira assinada, e cá estou de volta nas coxias da vida.
ta no sangue, é fóda!
Mas cada vez estou mais dura.
Abraços!
Patricia!
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