domingo, 23 de março de 2008

JOSÉ TRAJANO


Não sei bem o que está me levando a escrever este artigo. Provavelmente, a maioria que freqüenta esse blog não saiba quem é o sujeito do título acima. Alguns hão de recordar o nome, mas somente aqueles que são aficionados por futebol, como eu, vão identificar a personagem principal dessa crônica. Mas quem acha que vou escrever hoje sobre futebol, se engana redondamente. José Trajano é muito mais que isso.
Descobri agora o porquê da crônica: nesse momento estou trabalhando na Tijuca, na Rua Campos Sales, próximo ao Clube Municipal. Ainda pouco caminhei até à Praça Afonso Pena, onde visualizei ao longe a sede social do América Futebol Clube, clube de coração do velho Trajano. Bons tempos, diria ele, em que todo tijucano era torcedor do América. Mas, apesar das tentações, o assunto do artigo não é o América, não é a Tijuca, não é o futebol. É o José Trajano.
Passei a conhecê-lo no final da década de 90, quando as tvs por assinatura se popularizaram no Brasil. Sei que sua carreira vem de muito tempo, sendo figura notória do jornalismo esportivo brasileiro. Mas a primeira vez que ouvi seu nome, foi quando o Zagallo, indagado pela imprensa a respeito de sua famosa frase “vocês vão ter que me engolir !”, dita após a dramática vitória nos penaltis contra a Holanda, na semifinal da copa de 98, citou José Trajano entre os destinatários de seu desabafo. Indaguei-me: quem é José Trajano ? Hoje sei bem a resposta, tanto sobre quem é, quanto o porquê do velho lobo ter perdido as estribeiras. José Trajano às vezes me tira do sério.
Minha mulher então, nem se fala: basta acordar e ver o Trajano falando na TV, que seu humor piora. – Esse Trajano é um velho arrogante, que se acha o dono da verdade ! – diz ela. Para piorar a situação, ela sempre me flagra ouvindo o Trajano opinar sobre tudo: futebol, música, política, culinária, cinema e literatura. E sobre qualquer assunto em que mete o pitaco, de fato, o sujeito é o dono da verdade: “fulano é bom, cicrano não é, beltrano é uma porcaria” e assim vai. E ela, estupefata e irada, começa a discutir com o homem, como se de fato ele estivesse provocando-a intencionalmente. Aliás, é isso: José Trajano provoca a gente intencionalmente.
Toda vez em que não trabalho fora pela manhã, assisto ao Trajano, no programa “Pontapé Inicial” na ESPN Brasil. De fato, o homem é teimoso e ranzinza. Quase sempre está irritado, emburrado, seja com o América ou com seus funcionários da ESPN, quando não atendem suas determinações. Briga porque o som está baixo, ou porque está alto demais, ou porque não acharam a música que queria, ou porque está havendo buchicho no estúdio enquanto ele ouve seus discos de música instrumental. Aliás, José Trajano é o único profissional de televisão que tem um programa, em um canal de esportes, em que ouve, se deliciando, música instrumental brasileira ! Pelo menos nessa hora o homem se amansa, fecha os olhos e relaxa, para desespero de minha mulher, que acha isso o cúmulo: “Como, um sujeito pode interromper um programa popular, de futebol, para ouvir uma musiquinha que só ele gosta ?” O pior é que estou gostando dessa chatice de música instrumental brasileira. José Trajano vicia a gente.
Aliás, ele é assim: nos faz amá-lo e odiá-lo na mesma medida. Odiá-lo e amá-lo por sua sinceridade farta, pelo rigor de suas convicções, por sua mania de perfeição e por sua obstinação em se expressar. Porque José Trajano é expressão pura, é comunicação na essência, exemplo vivo do jornalismo original, onde a opinião vale tanto quanto o fato. Onde, muitas vezes, da opinião se extrai o fato, não o contrário. Mesmo quando se erra, e José Trajano também erra muito, vale mais o erro do que a omissão, a covardia, do que o jornalismo borra-botas que impera nessa era medíocre em que vivemos. Essa era tecnicista, mecânica, dos acadêmicos engravatados que entendem mais de computadores do que de gente. José Trajano é mais que um jornalista, ele é gente na essência. Gente de verdade, de fibra, com sangue nas veias. Doa a quem doer. E sei que às vezes dói nele mesmo: o velho tijucano deve pagar um preço muito caro por ser assim.
Pois é, velho Trajano, o tempo passa. A Tijuca já não é mais a mesma, o América também não e meu trabalho vai começar. Mas sei que você vai continuar a ser tijucano, americano e, desculpe a rima pobre, o José Trajano. Esse mesmo cara de quem vou discordar amanhã pela manhã.
E, por favor, esculhambe menos o Botafogo.


ANDRÉ FAXAS

sábado, 22 de março de 2008

PORMENORES


Viver não é mole, meu bom. Tanto problema, tanta chateação, tantos abacaxis a serem descascados e leões a serem mortos, que às vezes eu desanimo. Tanta dívida, tanta perturbação, que se torna quase impossível pensar em poesia numa hora dessas. Isso quando a saúde também não pifa, ou o carro, o computador, ou a maldita goteira no banheiro. Sem contar as mulheres e ex-mulheres, o Botafogo e a tv por assinatura que sai do ar quando chove. Vida difícil essa sob um calor de 40 graus, que decidiu aparecer logo depois das férias e do carnaval. Terrível essa vida de boletos e faturas, carnês e duplicatas. Meu bom, só tomando uma gelada pra relaxar ! Mas a cerveja aumentou, assim como a carne do churrasco e o carvão. Só nos restará o pandeiro e o tan-tan, mas com cuidado, pra vizinhança não reclamar.
E chegou a hora do IPVA e IPTU, da vistoria do Detran e do material escolar. Sem esquecer do dinheiro do advogado, do despachante e do celular. Ainda tem a tal da dengue que, tenho certeza, também vai me pegar. Vida dura, chapinha, vida dura. Roupa suada no corpo, secura na boca e ainda tem gente pra te encher o saco. Querem te cobrar dinheiro, por vezes atenção, compreensão, amizade, solidariedade, amor e fidelidade. Além de tudo te reprimem, repreendem, admoestam e te querem são. E nada da cerveja chegar !
Meu bom, eu acho que os imaturos deveriam ganhar uma pensão do governo. Receberíamos para não nos chatearmos ou estressarmos. Poderíamos acordar na hora em que quiséssemos, fazer o que quiséssemos e viver como quiséssemos. Haveria também a lei que obrigaria às mulheres a não cobrar dos maridos atenção, eficiência, amor e fidelidade. E uma lei mais rígida, que obrigaria às ex-mulheres a não perturbar mais ainda a já perturbada vida de seus ex-maridos. Junta-se a isso a lei da mordaça nas sogras, do silêncio nos cachorros e a estatização da Brahma, mas vê se arruma uma mais geladinha, Zé.
Para nos representarem em Brasília, votaremos em um candidato que defenda os imaturos, nos trazendo um pouco mais de paz e tranqüilidade. Queremos almoçar e não lavar louça, ficar 24 horas assistindo debates de esportes e que nenhum eletrodoméstico quebre em nossa casa. Não queremos trocar lâmpadas, apertar parafusos ou fechar registros. Nossos carros não poderão enguiçar e seremos isentos de cobranças de taxas e impostos. Poderemos brincar à vontade, dançar e ouvir música no volume máximo, sem que nos recriminem. Desejaremos os micro-shorts que passam pela rua, sem que nos admoestem. Não precisaríamos atender telefone, enfrentar fila de banco e teríamos um ar condicionado portátil, que nos acompanharia aonde fôssemos. Os imaturos, como nós, meu bom, seriam respeitados em seus direitos de serem eternamente crianças, sem compromissos, obrigações e deveres. Seríamos os reis do pedaço, cheios de regalias e benesses. Comeríamos, beberíamos e dormiríamos tranqüilos, teríamos salvo-conduto na madrugada e um sorriso na volta pra casa.
Pois é, meu bom, o papo ta fluindo, mas é hora do batente: carro, trabalho, dinheiro, conta, boleta, calor, mulher, ex-mulher, dengue e a maldita goteira do banheiro.
Bota essa no pendura, Zé.

ANDRÉ FAXAS

domingo, 16 de março de 2008

A BULA DA VIDA (escrita por quem não sabe ler)

Carolina: aqui vão algumas palavras de vocabulário fácil que me vieram à mente. Especialmente hoje, não sei o porquê, deu-me uma imensa vontade de bolar um manual de sobrevivência para seu futuro. Minha arrogância e uma cavalar dose de utopia e medo me fizeram sentar a bunda à frente do computador. Deve ser efeito da idade que avança ou, simplesmente, um gigantesco desejo de vê-la sempre feliz.
De vez em quando, sofro arrepios quando vejo o mundo em que te coloquei, menina. Atordoô-me, confundo-me, espanto-me. Um planeta repleto de perigos, desventuras e dores. Um lugar recheado de pessoas más e comandado por um sistema injusto e selvagem. Por isso, estou aqui te oferecendo algumas armas que colaborarão em sua defesa quando eu faltar, pelo menos em teoria. Mas o que esperar de um pai que vive de palavras apenas ?
Dica 1: estude bastante. O conhecimento é a principal arma de nossa era, filha. Vale mais do que qualquer coisa, é o elemento insuflador do sucesso no século XXI. Mas tente saber um pouco de tudo, não seja específica. Mesmo que, às vezes, entedie e haja opções mais prazerosas, sempre procure ler jornais, revistas e livros (nesta ordem). Procure saber sobre política (mesmo que te enoje), História e Geografia. No entanto, não menospreze o conhecimento popular, a sabedoria da vida. Não se aliene do que te rodeia, muito menos descarte o que não for do seu interesse. Seja alguém inteligente que todos querem por perto, mas não se transforme na chata certinha que senta na primeira fileira da sala de aula. Tente se adaptar a todos os ambientes, mas não abra mão do prazer de fazer o que gosta. E, principalmente, mesmo que a verdade esteja contigo, não seja a dona ela. Porque é bom não se esquecer: a verdade é fútil e muda a cada momento.
Dica 2: Cuide da sua saúde. Parece contraditório um cara como eu falar isso, já que sempre considerei a criatividade intelectual prioritária à saúde física. Mais que isso: sempre fiz apologia ao prazer, mesmo que deteriorasse o organismo. Para mim, o importante era ser feliz, independente do preço a ser pago por isso. Em tese, continuo com o mesmo pensamento, mas, se tratando de você, minha filha, tendo a ser mais zeloso e darei meu braço a torcer. Principalmente, depois de passarmos dos trinta, os reflexos de uma vida desregrada na juventude se fazem presentes, deixam seqüelas. Nada de cigarro, álcool e drogas. Nada de noites sem dormir e churrasco todos os dias. Coma muitas frutas, legumes, faça atividades físicas e use camisinha. Eu sei, isso é um saco, mas depois dos trinta você vai me dar razão. Mas não se esqueça que não é o suficiente: para se manter viva, olhe para os dois lados ao atravessar a rua, não reaja a assaltos, não more perto de encostas, não seja picada pelo mosquito da dengue, não vá a cachoeiras e evite vôos da TAM. Tudo bem, sua vida vai ser mais entediante que uma missa em latim, mas quem sabe você não chegue aos noventa anos ?
Aliás, falando em missa, lá vai a DICA 3: tenha muito cuidado ao escolher uma religião. Isto é, se escolher uma, já que seu pai assinalou NRA no quesito acima. Eu sei que o assunto é polêmico, delicado, de cunho pessoal, já que estamos tratando de fé. Aliás, o que mais me arrependo em não ter escolhido uma religião, foi de não ter adquirido fé. E fé, admito hoje, é uma baita ajuda na vida moderna. Provada sua eficácia cientificamente, ela nos torna fortes ao males e às doenças. Só não exagere, senão vira fanatismo. Tente também não ser muito crítica em relação ao que as religiões pregam como verdade. Se fizer isso, vai acabar igual a mim: renegado a anti-cristo. Então não busque lógica no transcendental, apenas acate o que lhe for mais conveniente. Talvez garanta uma vaguinha no céu.
Pra finalizar, minha filha, gostaria de falar de caráter. Podem gargalhar à vontade, mas caráter eu tenho. Claro, não sou nenhum Tony Ramos, mas quem é, a não ser ele ? Defeitos, todos temos. Erros, todos cometemos. Ser humano é assim, é errar e acertar, amar e odiar, ganhar e perder. Nossa essência é ruim, assim como nossa índole humana, comandada pela máquina mais perversa já criada por Deus: o cérebro. Ele, que incita o verbo mais egoísta da língua portuguesa: querer ! Todos vivemos subjugados a nossos quereres, que nos tornam às vezes monstros, cruéis e impiedosos. Minha última dica seria a de controlar seus quereres, vivendo em harmonia com seu semelhante, toda a humanidade. Mas, filha, virar demagogo depois de velho é dose. Portanto, tente atingir todos os seus objetivos, conquistar suas vitórias. Claro, sempre dando boa importância à ética e, sobretudo, ao bom senso. Pois, meu neném, só os sensatos vencem. Por mais que sejam chatos, vaselinas, insossos, a vitória será sempre deles. Aprenda a controlar sua sinceridade, a mediar conflitos e a ponderar, perante o ódio e às injustiças. Não seja tão valente como gostaria e aprenda a retroceder em prol de um resultado favorável.
E, sobretudo, meu benzinho, mantenha seu coração leve, isento de mágoas e ódio. Aja sempre por ele, mesmo que de vez em quando quebre a cara. Afinal, lágrimas fazem parte da vida.
Aliás, como as minhas, toda vez que penso em você.

ANDRÉ FAXAS

terça-feira, 11 de março de 2008

MINHAS MULHERES

Mesmo que fosse catedrático, com doutorado em Harvard ou na Sorbonne, não conseguiria dissertar com clareza sobre o tema desta crônica. Mesmo que fosse um sábio mestre hindu, ou que tivesse poderes divinatórios, não saberia explicar com lógica a razão das palavras que virão a seguir. Aliás, razão e lógica são coisas que não se encaixam nos seres a quem dedico essas frases prolixas. Seres maravilhosos, complexos e incoerentes. Seres a quem amo, odeio, sofro, machuco, preciso e quero. Seres que me fazem existir em folhas de papel: minhas mulheres.
Quando digo minhas, é no sentido de dependência, necessidade. Sem elas não me surgiriam letras, não me brotaria sensibilidade. Sem elas envelheceria, tornaria-me pedra bruta, não aprenderia lições. Pois é, estou tão perdido quanto às mulheres dentro das boutiques, tão indeciso quanto elas a frente do guarda-roupa. Mas de homem em mim, agora, só me sobrará o tempo breve desta crônica. No mais, serei íntegro, serei justo, leve e indecifrável, suave e impiedoso. Serei um pouco mulher a partir de hoje.
À minoria de leitores homens que tenho, minhas desculpas: não haverá confronto, luta, enfrentamento. Não haverá competição, guerra dos sexos. Simplesmente pela razão de sermos de fato inferiores, primários e rudes, menores. E a vocês, amigos, um alerta: não sejamos apenas o pênis. Sejamos mais, penetremo-nas a alma, o espírito. Façamos o possível para que notemos os irreparáveis e mínimos cortes e tonalidades da cor de seus cabelos, elogiemos seu corpo, ouvimo-nas sem impor soluções para problemas, elas já as têm. Calemo-nos durante a menstruação, abstenhamo-nos do futebol na TV de vez em quando. Sejamos seus príncipes, mesmo que nosso lado sapo insista em aparecer.
Amo-as e odeio-as na mesma medida, irrito-me, delicio-me, aprendo a cada dia. Por elas escrevo, por elas perco minhas palavras. Falo, calo, me faço melhor a cada dia. Por elas me alimento, me divirto, sofro calado, sonho e almejo. Por elas me atormento, perco a paz, as protejo. São elas que atordoam meus sentidos, aguçam meus desejos. Delas me surgem seus corpos, suas formas, meus instintos. Com elas me inspiro, me fortaleço, me apequeno. Por elas existo.
Aos que as humilham, as oprimem, as agridem: a morte. Danem-se os que as desprezam, as vêem subservientes. Estrepem-se os que coçam o saco no sofá, os que deixam a tampa da privada levantada. Fodam-se os que as machucam e as ferem. Percam, os que as têm e não dão o devido valor. Sofram, aqueles que não sabem o que é o amor de uma mulher. Sejamos o mêcanico forte e sujo de graxa, quando elas quiserem. Sejamos o amigo homossexual que lhe alegra os ouvidos. Sejamos a parceira confidente de seus segredos, sejamos o pai, o irmão e o filho quando preciso. Sejamos o bouquet de flores ou a lingerie sexy, quando elas assim quiserem. Falemos eu te amo no ouvido, quando ansiarem. Ou a chamamos de putinha, quando elas assim pedirem. Gozemos apenas na hora em que elas autorizarem, mantenhamo-nos carinhosos e atenciosos, mesmo no cansaço pós-ato. Aceitemos suas amigas chatas e a vendedora da Avon, evitemos dormir durante um filme de arte ou de amor. Não falemos de amores passados, nem arrotemos na mesa da sala. Consertemos o encanamento do banheiro, mas nunca percamos a ternura de sermos crianças. Sejamos fiéis, mesmo que as tentações sejam grandes. Amemos a uma só, mesmo que existam outras tantas e tão boas quanto. Sejamos másculos e meninos, divertidos e sensíveis, ansiosos e pacientes. Sejamos tão dignos de amor quanto elas, lutemos pela igualdade, mas nunca nos esqueçamos que elas serão sempre mulheres. Serão eternamente meninas, debutantes em seus sonhos de felicidade e satisfação. Mesmo que, de tão satisfeitas, sempre se insatisfaçam com o mundo. Sejamos mulheres com pênis.
Conforme o prometido, pouco esclareci, pouco me esclareci. A crônica aproxima-se do fim e menos as entendo. Apenas tento amá-las mais a cada dia, tento-me exercitar na árdua missão de escutá-las, de obedecê-las. Treino para um dia ser um homem no mínimo bom, digno de estar a seu lado. Rezo para que meu amor seja pleno, livre de mágoas e erros. Rogo para que sempre provoque a coisa mais linda do mundo: o sorriso de uma mulher. Pois bem, mesmo sendo homem em toda plenitude, acho que a partir de hoje me tornarei um pouco mais feminino, mais humano, mais feliz.
ANDRÉ FAXAS

quinta-feira, 6 de março de 2008

NÃO HÁ VAGAS PARA ATORES

Têm coisas que nunca mudam. Por mais que nos façam digitais, eletrônicos e frios, que nos tirem o tempo, que nos façam esquecer das coisas simples da vida, certas coisas não mudam. Por mais que o dinheiro nos governe, nos oprima e escravize, certas coisas não mudam. Por mais que o mundo nos pareça feio, sem graça e fútil, nada muda um sonho. Ninguém pode nos tirar o tesão, o prazer, a cachaça.
Dia desses, precisei de um ator para uma de minhas peças infantis. Coloquei anúncio em jornais, na Internet, no orkut. Oferecia, no anúncio, cinqüenta reais por apresentação da peça, normalmente realizada em escolas particulares de ensino fundamental. Centenas de pessoas ligaram, gente qualificada, muitos com nível superior em artes cênicas. Infelizmente, só dispunha de uma vaga, que foi rapidamente preenchida. Cito isso, pois apesar do valor pequeno, mesmo sendo o máximo que poderia pagar em relação ao que arrecado, ainda é muito dentro do que se paga a atores no Brasil. Isto é, se pagam.
Dinheiro e Teatro nunca tiveram uma boa relação. Talvez por culpa de nós mesmos, profissionais, que nunca nos fizemos fortes às tentações da paixão. Tentações de estar no palco, sentindo cheiro da madeira, nos mostrando, nos exibindo, sendo o centro das atenções. Tesão por viver outras vidas, por fingir, mentir, ser livre. Mas essa paixão e esse tesão têm um preço: o da sobrevivência do dia-a-dia. E ela, a sobrevivência, em qualquer tempo, nunca foi de privilegiar o glamour e o ego. Ela é dura, firme, pragmática. Ela precisa de liquidez, de dinheiro.
Fora a meia-dúzia de privilegiados que recebem seus ordenados na Globo, somos uma massa repleta de gente capacitada e apaixonada, que se vê obrigada a mudar de área para sobreviver. Não por falta de talento e dedicação, mas, sobretudo, por falta de sorte. Pois, em um meio que só cabem mil, sendo nós trinta mil, temos uma chance em trinta de sobreviver daquilo que nos é o bálsamo. Pobre do Brasil, que não constrói Teatros. Pobre do Brasil, que não educa suas crianças no valor à cultura cênica. Pobre de nós e de nossa paixão.
Mas ela não acaba. Cada dia que passa, mais apaixonados se deleitam. Mais sonhos surgem, mais decepções acontecem, como em toda paixão. Basta visitar uma escola de teatro, para vermos como se renova esse vício. Pena, que todos nós sabemos, mesmo que não queiramos, pois todo ator é um vaidoso por natureza, que pouquíssimos poderão escrever “ator” em qualquer formulário que exijam o nome da sua profissão. Pois, ser ator, de fato, é sobreviver de seu ofício. E, pra isso, meu chapa, não é mole não. É morder a rapadura sem os dentes.
No entanto, eu continuo esfolando meus punhos na ponta da faca. Talvez porque ainda não inventaram o “AA”. Similar aos Alcoólicos Anônimos, poderiam criar os “Atores Anônimos”, gente que precisa se livrar desse vício desgraçado. Gente que não precise fazer animação de festas e teatro em escolas, pra descolar um troco. Talvez um bom emprego público, uma casa própria com carro na garagem e uma vida pacata, familiar. Nada de spots de luz, de camarins e ensaios. Nada de viver uma vida que não é a sua, de fato. O melhor é sobreviver numa vidinha chata, mas com a carteira assinada, FGTS, PIS-PASEP e Previdência Social. Desculpe, mas vão à merda !
Há tempos desisti de atuar. Prefiro escrever, que, de uma forma ou de outra, também é uma forma de viver a vida dos outros. Melhor ainda, eu posso decidir seus destinos, sendo o ator de todos os papéis. Só peço desculpas a meus colegas, por não poder ceder gratuitamente os direitos autorais de minhas peças. Sei das dificuldades de vocês, mas minha filha também precisa comer e estudar.
E nessa vida de guerra a gente vai levando, um contra o outro, um ao lado do outro e todos contra nós. Na briga dos egos, no final da história, todos nos fodemos, ou levamos um creu, para melhor atualizar o fato. Que a Petrobrás e as telecons da vida continuem a encher os burros dos que já têm muito. Que a elite continue com sua pauta na meia dúzia de Teatros que dispomos. Que gastem seus dobrões de ouro na compra de textos estrangeiros e que continuem, como elite que são, a expor sua paixão à meia-dúzia de endinheirados nos mini-teatros dos shoppings da zona sul.
É, chega de glamour. Torço para que a massa vá ao povo. E o que, do povo, suado, trabalhador, repleto de sonhos, nos surja a redenção. Que dele nos venha o pão, o reconhecimento, nossa carteira assinada. Que nos mudemos dos conjugados alugados da zona sul e que façamos o Teatro que o povo quer e precisa. Pois a marca da cachaça é a mesma, barata e deliciosa.
Aliás, uma boa notícia no final do crônica: tocou o terceiro sinal.


ANDRÉ FAXAS

quarta-feira, 5 de março de 2008

UMA GERAÇÃO BURRA

Nunca pensei que meu lado reacionário fosse despertar um dia. Logo eu, moderninho assumido, liberal convicto e democrata de índole. Logo eu, todo prosa por minha mente jovem e aberta, estou aqui para rejeitar o novo. Talvez mais, talvez lamento ao novo. Pois, o que surge e o que se promete surgir, está muito aquém do desejável.
Minha geração surgiu numa entressafra: tínhamos a missão de substituir duas gerações brilhantes, mesmo sem possuir a genialidade dos 60 ou sem a rebeldia dos 70. Como diria o mítico Renato Russo, éramos os “filhos da revolução”: jovens que tiveram uma infância farta, devido ao milagre econômico dos militares e educados seguindo os rigores da caserna do Estado. Estudávamos “Educação Moral e Cívica” no primário e catecismo na igreja. Quase nada sabíamos, além daquilo que o regime vigente nos permitia saber. Tesão, só nos seios minguados da Sônia Braga e nas pornochanchadas rodrigueanas exibidas nas madrugadas da Bandeirantes. Música, só Roberto Carlos para os românticos e Sidney Magal para os animados. Televisão, apenas o Sítio do Pica-Pau Amarelo para às crianças e novelas da Janete Clair para os adultos. Tínhamos tudo para ser uma geração de merda, apesar das qualidades do Sítio, da Janete, da Sônia Braga, do Roberto Carlos e até mesmo do Sidney Magal, o MC Creu da época. Mas, felizmente, não fomos. Mesmo inferiores intelectualmente a nossos antecessores, conseguimos dar a volta por cima e deixamos boas coisas na História.
Toda minha geração nasceu aos dez, onze anos de idade. Viemos ao mundo em 1985, com a abertura política. De repente, um furacão de informações a nós sonegadas, inundava as mentes, como se uma década de cegueira recebesse córneas novas. Do nada, nos surgiam Chico e Caetano, Karl Marx, Fernando Gabeira, “O Último Tango em Paris”. De repente, livros foram devorados com a fome de um Ogro. Verdades absolutas poderiam ser contestadas e a rebeldia típica da juventude poderia, enfim, fluir. Os filhos da revolução puderam então lançar seus ícones e desenvolver uma consciência crítica do mundo. Tudo bem, nada assim tão relevante, mas dificilmente um homem ou mulher acima dos trinta, fica calado em uma conversa sobre qualquer assunto na mesa de bar. Porque, nos anos 80, a cultura do saber estava interligada à da diversão. Saber, não necessariamente intelectual, acadêmico. Saber por saber, apenas. Por necessidade de sobrevivência, por tesão.
Queria muito evitar, neste artigo, o velho clichê “no meu tempo...” Queria também não escrever “mas hoje em dia...” No entanto, não vou conseguir não fazê-lo. Pois, no meu tempo, que por sinal é hoje, ser bom era ter conteúdo. Era ter personalidade, opinião. Era ter consciência do que ocorre no mundo, era posicionar-se em relação a qualquer coisa que lhe fosse questionada. No meu tempo, erros de português eram admitidos, mas frases indecifráveis pouco se viam. Vivemos na era da preguiça, da acomodação ignorante. Estamos em um tempo de mediocridade, de pobreza de espírito. E não digo isso apenas aos desprovidos do destino, que pouco acesso têm à educação. Escrevo para a juventude que estuda, que acessa a Internet. Que muito tem de técnica específica, mas pouco de criatividade. Que sabe tudo de informática, mas que ignora o nome do Ministro da Ciência e Tecnologia. Que não lê jornal, não opina sobre nada e que só vive em função do dinheiro e do prazer. Geração que não vai ao cinema e ao teatro. Geração que não deixará legado algum na música e na pintura. Tecnicistas, epicuristas e chatos, sob a manta do “politicamente correto”.
Presas fáceis dos demagogos e malandros acima dos trinta.

ANDRÉ FAXAS

terça-feira, 4 de março de 2008

O SOCIALISMO NÃO MORREU ?

Não responderei a pergunta do título da crônica, muito porque não tenho a resposta. Aliás, acho que tenho, mas não estou bem convicto de sua justificativa. Pois, se tratando de ideologia, quesitos essenciais como racionalismo e imparcialidade não têm seu devido valor. Claro, não vou me abster a dar uns pitacos, mas não esperem de mim algo significativo. Desde a década de 90, após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, que a maioria afirma que o socialismo acabou. De fato, apesar de se tratando de História, onde nenhum fenômeno tão recente pode ser considerado concluído, chegamos à mesma conclusão. Pouco sobrou do apogeu socialista das décadas de 50, 60 e 70: Cuba, massacrada economicamente pelo bloqueio dos EUA e sem Fidel; pequenas ditaduras trotkistas na Ásia e a grandiosa China, socialista politicamente, mas o maior capitalismo emergente do mundo. Quase nada, comparando-se ao período citado acima, quando os países que implantaram as doutrinas de Marx e Engels dividiam ao meio o mapa geopolítico do mundo. Estou puxando esse assunto porque, por incrível que pareça, apesar de ter seu atestado de óbito assinado, o socialismo parece que ainda respira por aparelhos.
E não é que, logo da América do Sul, desprezível em representatividade governamental ao socialismo em seu apogeu, o moribundo ameaça ressurgir. Logo do ventre dos derrotados pelas ditaduras militares de direita, estará renascendo a ideologia dos trabalhadores, dos camponeses e dos excluídos ? Bem que eu suspeitava que não acabariam com uma paixão tão avassaladora assim, simplesmente decretando o fim de um sistema político-econômico. Não se dá para apagar da alma um sonho, pois, apesar dos percalços e erros, ainda não soube de nada mais justo para se guiar os destinos de uma nação do que o socialismo. Gostos à parte, ressalvas também (a Stalin, aos sanguinários do leste europeu, aos populistas e às ditaduras vermelhas), gostaria de me aprofundar um pouco mais no nosso socialismo tropical. Socialismo de Hugo Chávez, sujeito chato, antipático e arrogante, mas extremamente carismático e competente. Socialismo de Evo Morález, líder indígena que tirou das mãos dos poderosos a tão sofrida Bolívia. Também populista, arrogante e prepotente, mas socialista, que é o que importa. Socialismo de Rafael Correa, presidente do Equador, a parte do triângulo que faltava. Hugo, Evo e Rafael, sem contar a esquerda moderada: Bachelet, Tabaré, Cristina e, claro, nosso Lula. Certamente essa turma deve tirar o sono do Bush, apesar do desgraçado ter problemas mais sérios pra resolver no oriente médio e no seu próprio país. Mas a chapa começou a esquentar por aqui e o circo ameaça pegar fogo. Os moderados devem estar morrendo de saudades do Sarney, do Alfonsín e do Sanguinetti, os presidentes-vaselina. Os reacionários devem estar doidos por um novo Pinochet, ícone da macheza militar da direita capitalista.
Não sei no que vai dar, mas estava precisando de adrenalina política na minha vida. Deu saudade da época em que pregava a luta armada, onde meu maior desejo era ver o fim do imperialismo americano. Mas, pensando bem, coitadinha da Colômbia e da nossa economia estabilizada e globalizada, já que vou ter que pagar as contas no fim do mês.
Sentar e conversar. Conselhos de um velho.

ANDRÉ FAXAS

sábado, 1 de março de 2008

BIG BROTHER BRASIL

Há tempos desisti de consertar o Brasil. Desisti da utopia de um país justo, igualitário socialmente, íntegro e honesto. Há tempos desisti de transformar essa zona numa Finlândia. Já se foi o tempo em que panfletava por um Brasil austero, culto e ético. Que as ruas fossem limpas, que o uso do português fosse correto, que a leitura fosse hábito da população e que os debates intelectuais da TV Educativa fossem líderes do IBOPE. Que não houvesse mais camelôs nas ruas, crianças nos sinais e adultos analfabetos. Delirava por um país em que a música brasileira de qualidade estivesse entre as mais ouvidas e que as livrarias vivessem cheias. Mas, como disse, desisti.
Talvez o tempo que passa e as porradas que a gente leva, nos tornem mais acomodados. Talvez nos tornem menos aguerridos, mais cansados. Talvez mais burros.
O fato é que a cada dia que passa me sinto menos intelectual, apesar de saber bem mais do que sabia há 20 anos atrás. Porque, para ser intelectual é obrigatório se sentir intelectual. E, atualmente, se sentir intelectual, pra mim, é tão chato quanto assistir a uma apresentação do ballet Bolshoi no Teatro Municipal. Talvez possa ser isso um sintoma de nossa época, em que o imediatismo das informações, a escassez do tempo e o entretenimento a qualquer custo nos tornam escravos de sua rotina. Há muito que não tenho mais paciência para ver um filme de Buñuel ou para ouvir música clássica. Já faz tempo que a ida a algum museu não entra no meu item “diversão”. Sumiu-me da memória a última vez em que abri algum enorme livro de Filosofia. Sempre surgem sentimentos de culpa, mas, no final, a conclusão é quase sempre a mesma: tudo isso é muito chato. E, de fato, é. Ou alguém tem saudades das missas em latim ?
Dia desses, tive que me definir em um site de relacionamentos da Internet. Perguntaram-me sobre gostos pessoais, como músicas, livros, filmes e programas de tv. Fiquei horas tentando responder, a fim de encontrar as melhores respostas. Melhores, no sentido de como me veriam, do que seria mais interessante responder a fim de divulgar minha boa imagem de escritor intelectualizado. Pois eu desisti de ser o que não sou, assim como eu desisti de ser de um Brasil que não é. Desisti dos vinhos do Renato Machado, pois eu gosto de vinho doce, gelado e barato. Gosto de feijão, arroz, bife e batata frita. Acompanho as fofocas da tv e do cinema e acho o Wagner Montes um bom apresentador. Vejo grandes qualidades na literatura do Paulo Coelho e considero o funk um movimento cultural da música popular brasileira. Hoje em dia não tenho mais vergonha de dizer que acho o cinema novo um saco e que, filmes brasileiros, pra mim, só existiram dois: Cidade de Deus e Tropa de Elite. Tudo bem, velhos hábitos não consegui deixar: ainda amo Chico, Caetano, Milton e Tom (isso ainda é ser cult ?), ainda adoro ir a exposições no CCBB e ler os grossos livros do Elio Gaspari. Mas, nas noites de domingo e terça-feira, não liguem pra mim: meu único interesse na vida é assistir ao BBB na Globo.
Pronto, lá vou eu para o paredão.

ANDRÉ FAXAS

domingo, 24 de fevereiro de 2008

FLAMENGO 2

roubo descarado, má sorte, sina. Não estou pra ninguém.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

FLAMENGO



O pior é que nem bebi hoje. Suspeito de minha sanidade mental, já que nunca me imaginei escrevendo sequer o nome desse clube, quanto mais uma crônica sobre ele. Mas ando querendo exorcizar alguns fantasmas que me atormentam, e a única saída é escarrar minha sinceridade na folha de papel em branco.
Nesse domingo, meu Botafogo estará decidindo a Taça Guanabara no Maracanã. Poderia então, já que não faltaria inspiração e conteúdo para isso, escrever uma crônica apaixonada pelo time da estrela solitária. Mas como não consigo dar ordens ao teclado, sou obrigado a falar de nosso adversário desse domingo.
Eu sou de uma geração em que ser rubro-negro era quase uma obrigação. Também pudera, durante toda infância acompanhei a saga daquele time de Zico e cia. Time várias vezes campeão carioca, campeão brasileiro, da Libertadores e Mundial interclubes. Um esquadrão cuja escalação nunca me saiu da memória: Raul, Leandro, Figueiredo, Mozer e Júnior. Andrade, Adílio e Zico. Tita, Nunes e Lico. Um timaço. Talvez, em termo de clubes no Brasil, só comparado ao Santos de Pelé e ao Botafogo de Garrincha. Então, por que, um menino, no início da década de 80, não torceria por esse clube ? Pior: por que esse menino adotaria como seu clube de coração, um time que não ganhava nada há vários anos e que era o maior saco de pancadas de Zico e sua turma ? Por que esse bendito menino não se vestia de rubro-negro e saía com seus colegas comemorando as consecutivas glórias de seu clube ? Já pensei em inúmeras respostas a essa perguntas, mas consegui resumir em uma só: eu não quis a glória fácil. Preferi o caminho tortuoso da camisa alvinegra, preferi a minoria humilhada, a dor e a esperança da volta por cima. Porque ser Flamengo, até hoje, é muito fácil. Mesmo sem mais o Zico, é muito confortável estar ao lado da maioria, da massa, da maior torcida do Brasil. Deve ser muito bom encontrar pelas ruas uma enormidade de pessoas com a mesma camisa que a sua, deve dar orgulho vencer junto com o time, se tornando o décimo segundo jogador em campo. Muitos podem pensar: isso é inveja. E não nego, é sim. E muita.
Uma espécie de mistura de inveja com ódio, de recalque com mágoa. Mágoa por tantas dores a mim causadas, de tantas tardes de humilhação e silêncio. Tenho até hoje pesadelos com o seis a zero que Zico e cia. nos aplicaram em 81, com a banho na final do brasileirão de 92 e, ultimamente, com a decisão do carioca do ano passado. Isso sem contar das glórias deles em que estivemos ausentes, por absoluta falta de competência para acompanhá-los. Dou a mão à palmatória: os rubro-negros são mais vitoriosos que nós e mais felizes que nós. É o povo se livrando dos seus males através de uma paixão futebolística. Esquecendo da vida dura e suada, através de uma terapia baseada na catarse emocional coletiva da vitória. E nós, botafoguenses, também tão sofridos e suados, quase sempre continuamos nosso martírio aos domingos no maraca. Pois é, devem estar achando que já entreguei os pontos ou que essa crônica é pretexto de quem quer virar a casaca. Mas dessa vez é engano.
O menino dos anos 80 ainda vive intensamente dentro de mim. E o que ele gosta é do desafio, do risco e da singularidade. Porque, pra ele, é delicioso ser o destaque, ser o alvo, ser o diferente. Porque quando meu Botafogo ganha, só eu grito à vizinhança. E toda massa se cala, como em 1989, ou quando o time do Jairzinho aplicou o seis a zero neles no início da década de 70. E calar a massa me causa sempre um prazer equivalente a um orgasmo múltiplo ! Todos os arrogantes e prepotentes põem o rabo entra as pernas e se curvam ao solitário, ao mais fraco. Porque, desde a infância, percebi que era muito chato ser o que o outros eram. Deixar de ser indivíduo, para ser o todo. E não tenham dúvidas: do Botafoguense da Rua K todos sabem o nome.
É, não deu pra ser imparcial até o final, desculpem, mas o assunto é passional. Sobre nossa pendência desse domingo, prefiro não arriscar palpite. Mas algumas certezas eu já tenho: os rubro-negros vão incendiar o Mário Filho e a nação vai jogar junto; e eu, independente do resultado, vou ser o centro das atenções depois das seis da tarde.
Obrigado por tudo, Flamengo.

ANDRÉ FAXAS

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

LULA

Ontem ouvi na Band News FM uma notícia que me deixou estupefato: o Brasil conseguiu juntar o dinheiro para pagar a dívida externa. Mais que isso: mesmo pagando todo o valor, ainda sobrariam vários bilhões em reservas. Tenho trinta e cinco anos de idade e durante toda a minha vida sempre ouvi e li que o grande problema do nosso país era o pagamento dessa maldita dívida. Passei pelo fim da ditadura militar, pelo período “cruzado” do Sarney, pela era Collor, pelo Itamar e pelo almofadinha intelectual do FHC e seus tucanos. Durante todos esses anos, ouvi muito se falar de FMI, de moratória, de calote na dívida e de acordos de refinanciamento de débitos. Mas nunca, em tempo algum, ouvi a notícia que foi dada ontem: podemos pagar a dívida externa ! Para os mais novos pode parecer uma notícia como outra qualquer, mas, tenham certeza, não é. Durante mais de trinta anos, o Brasil pegou empréstimos com FMI para tampar buracos oriundos de gastos públicos excessivos. Precisou dos agiotas internacionais para salvar-se de sua própria incompetência de gestão. Nosso país gastava mais do que arrecadava e, com isso, como na nossa vida financeira, precisava de recursos de terceiros para não quebrar. Com isso, o montante foi crescendo, os juros se multiplicando e o dinheiro que deveria ser gasto com saúde, educação e infra-estrutura foi, obviamente, minguando. Muito do estado lamentável em que se encontram nossos serviços públicos essenciais é resultado desse matemática. Portanto, o que estou relatando é um fato concreto, não uma opinião pessoal. Aliás, opinião pessoal vou dar a partir de agora.
Durante a adolescência, orgulhava-me do meu “botton” que usava no peito. Um “botton” branco, com uma grande estrela vermelha onde lia-se a sigla “PT”. Tinha absoluta convicção que ali estava a resolução de todos os problemas sociais de nosso país. Que o PT significava a mudança, o conserto dos males e a expulsão´daqueles que nos roubavam e reprimiam. Que o socialismo era a opção correta para um país que necessitava exterminar as desigualdades e impor um modelo de justiça social, liderada por aqueles que mais sofriam, os trabalhadores. Eu queria também que os Estados Unidos sucumbissem (para não dizer se fodessem – aliás, ainda quero), que a Coca-Cola fosse extinta do país e que a Globo fosse estatizada. Reivindicava até mesmo o confisco do bens dos ricos e a luta armada por parte da classe proletariada. Mas a juventude passou. E passou para o PT também.
Quando o PT venceu a eleição de 2002, pensei: chegou nossa vez. Mesmo não tão louco e jovem como antes, ainda pairava em mim a indignação, a rebeldia. Ainda via pelas as ruas a miséria e a ignorância. Ainda via crianças nos sinais e pais de família sem trabalho. Ainda via poucos com muito e muitos com pouco. Estava ali minha redenção: o PT estava no poder e seria um exemplo de um governo sério, honesto, firme e justo. Apesar de ateu, dei graças a Deus pela debandada dos tucanos liberais e dos reacionários do PFL. Os trabalhadores tomavam o poder no lugar do patrões e, enfim, a justiça social seria feita em nosso país. Viria a reforma agrária, a educação e saúde nos moldes cubanos, a transparência na gestão e o fim da corrupção. Porém... ah, os poréns da vida, pouco ou nada disso se concretizou. O que eu vi foi a manutenção de uma política econômica conservadora, vi as mesmas caras de sempre comandando os ministérios, vi alianças com a direita populista e o pior, vi muita, muita corrupção. Vi Valdomiro Diniz, vi Marcos Valério, vi Delúbio, vi mensalão. Vi José Dirceu e José Genuíno, dois ícones da minha formação política, envolvidos até o pescoço em esquemas de caixa 2, tráfico de influência, prevaricação e desvio de dinheiro público. Todos os meus sonhos foram para o ralo e a decepção tomou conta de mim. Decepção e indignação com aqueles que, eu julgava ser, ilibados, dignos e honestos, como a maioria dos trabalhadores do Brasil. Quebrei a cara. Falando em cara, teve um que livrou a sua.
Até agora não mencionei o nome citado no título da crônica, mas, não tenham dúvidas, ele venceu o jogo. Venceu pela astúcia, pela inteligência, pela destreza. Uma vitória de quem passou quase intocado por tudo que o PT passou. Talvez por sua simpatia, seu carisma, sua barba grisalha e seu linguajar popular que, inevitavelmente nos tocam e nos inspiram uma confiança inexplicável, apesar dos despautérios que ocorreram e ocorrem. Mas ele é o cara. O cara que pagou a dívida externa ! O cara que tirou da miséria total cerca de 5 milhões de brasileiros, através do bolsa-família. O cara que me faz ter um padrão de vida que nunca antes supus obter (mesmo na juventude). E isso é fato, não opinião pessoal. Pois é, acho que o PT se foi. Ou alguém pode citar um nome do partido capaz de vencer a eleição em 2010 ? Que enfrente a maldita tucanada e seus reacionários demos ? Bem, do futuro, definitivamente, nada sei. Assim como deletei Marx e Engels na minha memória, posso fazer o mesmo com a decepção moral que tive. Afinal, sou brasileiro, e sempre dou uma cervejinha para o guarda quando o IPVA do meu carro está atrasado. E vou continuar amando e odiando o barbudinho pernambucano, pois ele é mais ou menos como nós: tem tudo pra dar errado, mas deu certo.

ANDRÉ FAXAS

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

PERDER: VERBO NEFASTO (2002)

A cada porta na cara que recebo, a cada não sinonimizado por palavras consoladoras e suaves, a cada decepção por alguma falha nos planos, a cada descoberta de que você não é tudo aquilo que pensa, me vem o verbo: perder. A cada mulher perfeita que não surge, a cada amigo que se vai, a cada jogo do Botafogo, me vem o verbo. Verbo mau, duro, por vezes camuflado ou fantasiado por ilusões do nosso ego. Perder: ato de derrota. Perder: o mau da vez. Talvez o mais difícil de ser defendido, pelo fato de ter duras relações pessoais com o ato de. Seja em quaisquer dos tempos verbais, conjugá-lo é um gesto de extrema coragem, sinceridade e ousadia (qualidades que raramente me surgem). Portanto, amigos perdedores, poremos o dedo na ferida desde já. E que a derrota nos sirva de lição (como também a vitória, lição muito melhor de ser aprendida).
Perder é duro. É tão duro, que é o mais amplo dos transitivos diretos. Aceita centenas de objetos, inúmeros substantivos. Podemos perder tanta coisa na vida, notaram ? O ônibus das 7:00 às 7:02, a nota de 50 reais que estava no bolso furado, o óculos de 300 que ficou no banco do táxi, a aliança de ouro que o sabonete jogou para o ralo da pia. Perder também pode ser complementado por substantivos abstratos: o amor da sua vida (aquele mesmo, tá lembrando ? Aquele que, por mais velho que você fique, nunca irá esquecer), a euforia dos 17 anos (essa mesma... que te fazia passar horas em claro dançando, sem comer ou dormir, e que te tornava o mais feliz dos seres), a inocência da infância. Podemos preenchê-lo também de detalhes corporais, como os cabelos negros derrotados pelos alvos. Em alguns casos (não o meu, é claro), todos os cabelos podem ser perdidos. O tempo nos faz perder a velocidade, a resistência, a agilidade. Perdemos também as roupas, os sapatos, aquela sunga linda que só entrava em ti há seis anos atrás. Perdemos, às vezes, o orgulho do espelho, o narciso que vivia no lago. Perdemos pessoas que amamos, a pior das perdas. Neste caso, o medo nos faz conjugá-lo no futuro, perdemos então a chance de não pensar em perdas, vivemos para que nunca aconteçam.
Derrotas geram incertezas. Perco toda vez que vejo meu monte de escritos empoeirados nas gavetas, perco sempre que noto que o sucesso é muito difícil. Perder é saber que não foi o suficiente, que faltou capacidade. Perder é não torcer para a Beija-Flor, é não ter visto o pôr do sol na baía de Angra dos Reis. Estou há muito tentando explicar a perda, mas só me vêm o “perder”. Talvez por causa da dor, que anistia a razão de saber perder- grande arte. Talvez pelo ego, pelo orgulho, pela arrogância. Talvez pelo fato de saber que a história é contada pelos que vencem, não pelos que perdem. Podia dizer – se eu fosse um cara politicamente correto – das lições tiradas nas derrotas, da necessidade de aprender a saber perder, do dia novo que virá amanhã. Da possibilidade da virada do jogo, do sucesso sobrepujando o fracasso. Mas, caros amigos, da derrota só tiro a dor. Só tiro a decepção, o desapontamento. Perder, pra mim, é admitir minha pequenez, assumir meus limites. E não há santo que tire isso da minha cabeça.
Caminhando por outros terrenos, talvez isto seja reflexo do mundo ocidental, sempre individualizado e competitivo. Vivemos na lei da selva, precisamos matar pra comer. Perder pode significar o fim, a falência. Creio que em algumas comunidades orientais isso mude de figura, o grupo se sobreponha ao indivíduo, a derrota se torne coletiva. No entanto, não é disso que falo. Deixo os sociólogos e antropólogos cuidarem desta área, prefiro manter-me no verbo, razão das minhas letras nesse papel em branco. Perder, a ação infinitiva. No gerúndio “perdendo” a vida vai. No particípio “perdido”, apenas a lamentação. Até hoje procuro a Playboy da Xuxa que minha avó deu fim há quase vinte anos. Até hoje busco o meu io-io “Super” da Coca-Cola, que garanto ter deixado na gaveta de minha irmã. Até hoje almejo aquela menina que me disse não na hora da música lenta no baile. Até agora vasculho em busca do menino levado que vivia dentro de mim. Tanto perdido ! Aqueles anos sem letras e papel, aquelas noites de brigas e lágrimas. Tanto perdi ! As chances de abraçar os amigos, de tomar aquela geladinha na Sexta-feira. Tanto perdi ! Nos anos de fumaça nos pulmões, nas vezes que deixei de agradecer a quem fez por mim. Pretendo não perder mais tanto, só o suficiente. Pelo menos pra sempre me lembrar que a perda faz parte da vida, é o nosso caminho.
A crônica vai chegando ao fim e minhas perdas aumentam. As duas horas de sono que perdi tentando escrever este texto, o mouse que despedaçou-se no chão, após um de meus atabalhoamentos. Farei o possível pra não voltar a perder com fumaça nos pulmões, mas está difícil ultimamente. Não perderei mais dias felizes com minha filha, e nem perderei meu tempo visitando sites pornográficos. Prometo perder alguns quilos, pois algumas perdas geram boas vitórias. E, obviamente, aproveitar este verão pra perder um pouco a solidão. Claro, pequenas férias, não vivo sem minha parceira de trabalho. Trabalho: pois é, neste caso, perder é ficar sem o que não se tem. É não ganhar, é não ter os seus cem mil livros vendidos. É não ficar ao lado do Jô, não dar entrevistas na TV Educativa. Perder – pra mim – é não ser lido, é ser delatado ao final de casa sessão de email. Então – por piedade – não me derrotem. Me ponham na pastinha amarela do Windows, guardem minhas letras.
Apesar de tantas perdas, acabo de vencer mais uma.
ANDRÉ FAXAS

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O CRÉU

Algo vem me atormentando nas últimas semanas. Deve ser a idade, mas a minha paciência vem se esgotando com mais facilidade. Em qualquer lugar que eu vá, na casa do vizinho, no meio do trânsito, nas festas em que minha empresa presta serviços, na televisão, na Internet, no quinto dos infernos, uma palavra tortura minha audição: créuuuuuuuu !!!! Desculpem se eu utilizei o termo “palavra”, mas essa aporrinhação anda desequilibrando minha razão. Nada contra o funk, um movimento de entretenimento da nossa juventude que, de fato, é eletrizante e tipicamente carioca. Aliás, muito me apetece suas batidas e letras maliciosas que, acompanhado de uma boa cervejinha gelada, me faz até ensaiar alguns passos tímidos. Melhor ainda o requebrado das mulheres, que me insuflam pensamentos nada cristãos, mas asseguram que, felizmente, não moro na Noruega. Tudo é uma delícia: o som, o sol, as saias curtas e sensação de amoralidade permitida. No entanto, o creu eu não agüento mais. Nada em relação ao sentido pejorativo da letra, se tem uma coisa que eu não sou é moralista. Nada contra o ritmo, o estilo ou a voz. (?) Muito porque se tivesse que ouvir “Iolanda” do Chico trinta vezes por dia, também me irritaria do mesmo jeito.
Em um país sério, sem pirataria, esse MC Creu já estaria rico. Se bem que, talvez, em um país sério, provavelmente não existiria o MC Creu. Mas como eu detesto países sérios, que sejam felizes e ricos os créus, sabãozinhos e gaiola das popozudas da vida. Que continuem dando alegria aos menos favorecidos, que encontram no funk talvez a única forma de divertimento à vida dura que levam (levamos). Mas reenfatizo: esse disco tem que ter uma outra faixa. A coisa tem dimensões fenomenais: ouve-se creu em todas as regiões do Rio, das favelas à zona sul, da roça à Barra. Todos dançam: crianças, velhos e até mesmo os recalcados. Dançam a safadas e os tímidos. O ricos e os pobres. Todos juntos em um só creu !
Aliás, de tomarmos um creu todos nós devemos estar cansados. Eu, pelo menos, tomo sempre creu no cartão de crédito, na conta de telefone, nos impostos e nos serviços que me são prestados pelo poder público. Todo ano tomamos creu dos políticos, geralmente na velocidade cinco, creu, creu, creu, creu, creu !
Acho que, escrevendo esta crônica (?) me deparei com uma conclusão: o MC Creu é um gênio. Que me perdoem os gênios da história da humanidade, mas esse sujeito criou o tema perfeito para o nosso \Brasil. Um hino nacional popular, que reflete com perfeição o que queremos de nosso país. Algo direto, incisivo e objetivo. Queremos creu ! Queremos mais creu ! Creu para os velhinhos e seus viagras, creu para as mal amadas, creu no chatos e moralistas, creu nos condomínios da Barra, creu no ladrões que nos subtraem esperança todos os dias. Só peço à minha mulher que tenha paciência comigo: creu toda hora ta difícil. Ainda mais na velocidade cinco, coisa capaz de matar qualquer sedentário acima dos trinta. Mas continuo dando meus créus, nem que seja no primeiro estágio.
Finalizando, devo adiantar que o desgraçado do vizinho continua ouvindo creu no volume máximo.
Vou abrir minha latinha de cerveja.

ANDRÉ FAXAS

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Tudo era brincadeira de criança, inocência, irresponsabilidade, liberdade. Então, os hormônios se manifestam, os desejos se consolidam, o ato se consuma. De repente, eis que a barriga cresce e, cedo demais, vem ao mundo uma nova geração. O filho se torna o pai e as bonecas de plástico da menina-moça dão lugar a um novo ser humano. Os seios ainda em formação agora são fonte de alimento e as fantasias da juventude se curvam à dura realidade da responsabilidade. Etapas são puladas, experiências são perdidas.
Não cabe aqui fazer juízo de valor ou emitir opiniões morais, éticas ou religiosas. Mas cabe defender o principal direito que a democracia nos concede: o da informação plena, cristalina e esclarecedora. E isso é responsabilidade de toda a sociedade, da família e do Estado. Mas, para isso, dogmas hipócritas precisam ser extirpados, canais igualitários de informação precisam ser abertos e uma ampla discussão, livre e isenta, precisa ser instaurada. Tudo deve ser posto na mesa, sem preconceitos e constrangimentos. Toda a juventude brasileira, das classes dominantes aos mais humildes, precisam falar e ouvir. Vários temas precisam vir à tona, de forma séria e democrática: legalização do aborto, métodos anti-conceptivos e educação sexual de verdade nas escolas.
O índice de gravidez na adolescência no Brasil é altíssimo, um dos maiores do mundo. Pior ainda, ocorre na maioria esmagadora das vezes nas classes menos favorecidas e entre jovens com baixo índice de escolaridade. Quando os hormônios afloram e o desejo desperta, a maioria deles não possui as informações básicas sobre os possíveis resultados da consumação e da satisfação dos instintos sexuais humanos, presentes em cada um de nós. Ignoram a possibilidade de uma gravidez indesejada ou da aquisição de doenças sexualmente transmissíveis, outro ítem onde nossa juventude excluída é líder mundial. Mas, a pergunta que fica é sempre a mesma: “o que podemos fazer para reduzir tais índices ?” Vivemos em um país subdesenvolvido, sem igualdade de acesso à informação, com educação e saúde precárias, repleto de ranços morais e religiosos. Seria querer demais, em um país onde grande parte da população passa fome, que nossos jovens, por conta própria, assumissem a responsabilidade pela aquisição de tais informações. Nós, a classe dominante, onde a palavra “dominante” apenas significa “Ter informação”, é que temos o dever de fazer o possível para alterar esse quadro, a fim de amenizar a tragédia social que assola o país.
Seria utopia propor um mudança profunda, que nos incluísse nos índices do primeiro mundo. Vivemos em um país mal colonizado, construído em bases desiguais, sem ênfase à liberdade democrática e à educação. Mas creio que é possível, no objetivo de reduzir os índices de gravidez na adolescência no Brasil, a descoberta de medidas paliativas eficazes. A principal delas é a implantação séria e isenta de preconceitos, da educação sexual nas escolas. Mais ainda, não só para os jovens, como para os pais também. Muitas das vezes, os filhos seguem o mesmo caminho dos pais na desinformação: estes mesmos foram frutos de gravidezes na adolescência. Vivem em condições precárias, muito pelo fato da família ser maior do que a capacidade de sustento dos responsáveis. Não é raro uma família com renda mensal de pouco mais de um salário mínimo, ter quatro, cinco filhos. E isso explode nas ruas: evasão escolar, crianças vendendo balas nos sinais e pior, na desintegração da família, no aumento da violência urbana. Portanto, é essencial que toda a família seja educada, informada. Que se livre dos pudores, da hipocrisia. Que aceite o fato dos humanos serem, por força da natureza, seres reprodutivos, incapazes de frearem o desejo da procriação. Mas que podem, pelo livre arbítrio da consciência, apenas consumarem seus instintos, sem necessariamente pôr filhos indesejados no mundo por tais meios. Essa educação sexual deve ser clara, sem o cientificismo acadêmico e nebuloso, incapaz de atingir os seus objetivos práticos. Deve ser divertida, esclarecedora e sincera. Não deve sonegar informações ou impor ideologias, quaisquer que sejam. Deve ser por vezes até vulgar, pois vulgares são as práticas dos desejos da carne. Feliz será o dia em que uma mãe ou pai porá um preservativo na bolsa do filho ou da filha. Feliz será o dia em que a nossa sociedade conservadora admitirá que somos, em essência, bichos. Que seus filhos transam, que é bom transar, é que é necessário regulamentar isso, a fim de não chegarem os netos antes da hora. A fim de não ter seu filho incluído em um programa de DST/Aids ou não vê-lo interromper sua formação educacional, para correr atrás de um trabalho que lhe dê uns trocadinhos para o leite das crianças.
O segundo ponto de redução dos índices é o mais polêmico de todos. Talvez o mais radical, o de mais difícil e cruel implantação: a legalização do aborto em nosso país. Certamente é a última das opções, mas, em meu ponto-de-vista, não deve ser descartado, já que o processo de educação se dá a médio e longo prazo, e creio que já atingimos um índice alarmante de implosão social, não temos muito tempo. Inicialmente, o aborto deve ser desvinculado de questões religiosas. Deve se ater exclusivamente à questões éticas. Deve ser regulamentado, possuir regras rígidas para sua realização, para que não nos tornemos assassinos em massa de bebês. Precisamos, para isso, de um sistema de saúde digno, confiável e forte. Deve ser sempre a última e derradeira solução. Deve vir depois da educação, da camisinha, das pílulas e da reflexão. Deve ser discutido amplamente pela sociedade, com direito de expressão aos favoráveis e aos contrários. Mas, sobretudo, deve ser encarado como algo que já existe de fato, nas clínicas ilegais de fundo de quintal. Clínicas essas utilizadas pelos próprios pais da classe média, quando vêem suas filhas perdendo a dita “honra” ao engravidarem antes do casamento. No entanto, a pobre coitada da favela, sem recursos, não tem acesso à rede pública para exercer sua vontade.
Vivemos em um país tropical, latino e com sangue quente nas veias. Não o Brasil idealizado pela elite branca das universidades ou dos condomínios da Barra da Tijuca. Não somos, felizmente, anglo-saxões protestantes e frios. Temos sensualidade nos quadris e na alma. Não adianta querer que nossa juventude perca isso, que nossas meninas ponham um vestido até os pés e que se casem virgens ao vinte e cinco anos de idade. Não adianta querer que sejamos máquinas, não humanos. Não adianta pôr a culpa na televisão e seus programas, pois a tela de tv é espelho de nós mesmos. Não culpem as músicas de axé, pagode e funk, pois o tesão pode surgir ao som de Mozart. Sejamos sinceros, francos e, sobretudo, práticos:
Sexo, sempre. DSTs, nunca. Gravidez, só no momento certo.

ANDRÉ FAXAS